– Esse menino não dorme – falou a mulher.
– Bota ele pra assistir o jogo da Espanha – respondeu o marido.
O outro menino, mais velho, estava inconformado. O pai tinha mostrado o rei assistindo a partida.
– Ele não é rei pai – disse o menino.
– Por que?
– Ele não usa coroa.
Fim do primeiro tempo e o pessoal na sala inventava de tudo pra não dormir. Era domingo e tinha macarrão com molho e linguiça. Macarronada misturada com aquele jogo derrubou todo mundo de sono. A vó foi para o quarto.
– Não sou espanhola nem russa, vou ficar fazendo o que aqui na sala?
Os tios torciam para os dois times, para a bola entrar em qualquer gol. O avô, que tinha jogado nos aspirantes do Palmeiras, disse que nunca tinha visto gente tão lerda. O pior jogo da Copa, ele falou.
– Até o Iniesta foi contaminado – disse o pai. – O menino dormiu?
– Na hora – respondeu a mãe.
Quarenta minutos do segundo tempo. Só o pai, o menino mais velho e um dos tios estavam acordados. O avô roncava.
– Pai, como é que o rei pode mandar nas pessoas se ele não usa coroa?
– Ele não manda nada menino. Na Espanha é assim, quem manda é o primeiro-ministro – respondeu o pai.
– Ah, entendi! Então é por isso que ele não precisa usar coroa.
Prorrogação. Jogador da Rússia com câimbra. A Espanha toca, toca, toca e não chuta no gol. A Espanha inventou o gol sem precisar chutar. O gol dela foi contra.
– Se for para os pênaltis o jogo melhora – falou o pai.
– Pênalti não é jogo – disse o tio ainda acordado.
E pegaram uma discussão brava sobre isso. Foi a primeira coisa que causou alguma emoção naquela sala. Ganhou o tio, menos sonolento que o pai.
A avó voltou para a sala.
– A filha do bisavô, três letras? – ela perguntou.
– Avó – respondeu o pai.
– Obrigado.
Segundo tempo da prorrogação. Silêncio na sala. O tio sobrevivente dormiu. Só ficaram o pai e o filho mais velho. Teve um quase gol da Espanha, insuficiente para acordar o tio. Os jogadores da Fúria não se mostravam furiosos. Teve no finzinho um quase pênalti. Chuva, chuva grossa, a melhor coisa do jogo até agora. O pai começou a cochilar.
– O outro nome de São Petersburgo? – perguntou a avó que voltou para a sala.
– Não tenho a menor ideia – respondeu o pai.
Termina a prorrogação. Decisão por pênaltis que só o pai e a avó assistiram. A Rússia vence nos pênaltis. A Espanha vai dormir em casa.
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João Batista Freire
Nascido às 13 horas, dia de São João, em Santos. Escola primária no Morro do São Bento, jogador de bola em campinho de terra e pedras, torcedor sofredor do São Paulo. De tanto minha mãe insistir fiz faculdade de Ed. Física, Mestrado e até Doutorado. Gosto mesmo é de escrever, mas como é preciso assunto para escrever enfiei de tudo, de futebol a motricidade humana, de pular corda a pedagogia do movimento. E assim, tenteando e enganando a dita cuja, vou vivendo e já cheguei nos 70.
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