Nenhuma partida de futebol é exclusivamente aquilo que acontece dentro de campo com a bola rolando ou com a bola parada, incluindo aqui a área dos reservas. É também aquilo que extrapola o que aconteceu em campo e que, nesta Copa no Catar, anda bastante evidente.

Nesta Copa o extracampo anda vencendo de goleada. É mais sobre os protestos de jogadores, de pessoas e de lideranças que estão no entorno, menos sobre o futebol. E até parece que tem mais dessas pautas nos noticiários do que o próprio futebol jogado na ponta da chuteira e nem importa o que o jogador faz em campo, se a linha de impedimento está funcionando ou se o Richarlison fez o gol mais bonito da Copa do Mundo, um belo voleio feito para derrubar queixos.

– Que golaço! Você viu?

– Só sei que o cara é das causas sociais.

– Estou impressionada com a plasticidade, com a definição muscular, a potência.

– Ele doou dinheiro para um projeto da USP.

– A velocidade da bola não me sai da cabeça.

– Tomara que o Neymar não volte mais para a Copa.

E assim as coisas vão se misturando e o futebol vai ficando com menos cara de futebol porque se fosse só futebol eu estaria aqui escrevendo tão-somente sobre como Richarlison dominou a bola, sobre como a bola subiu, a curva que ela fez, o tempo de reação do cara, sobre o quão rápido ele tirou os dois pés do chão, um depois do outro, sobre como seu corpo voou e sobre como ele esticou a perna direita, mas só depois de criar uma alavanca com os joelhos para que seu pé então chutasse a bola em alta velocidade para o fundo do gol.

Meu queixo caiu e eu fiquei sem respirar por alguns instantes.

No replay deu pra ver que o queixo da cinegrafista caiu e que ela ficou sem respirar por alguns instantes. Deu pra ver que o queixo do torcedor que estava na arquibancada caiu enquanto ele ainda tentava entender o que tinha acabado de acontecer. E, olha, não foi o queixo de um só torcedor que caiu, não, foi o queixo do torcedor adversário também, bem como o queixo de todos os jogadores em campo, dos reservas, dos juízes, dos massagistas, dos fisioterapeutas, dos preparadores físicos e os queixos de toda essa gente que está nos bares, que está no sofá de casa, comendo pipoca, tomando cerveja, gritando pela janela, é hexa!, é hexa!, como se não houvesse amanhã.

Porque o futebol é isso, é ataque e defesa, são as movimentações, as escolhas táticas, o desempenho técnico, o chute na trave, o goleiro mão de alface, quem não faz, toma, a zebra. E depois de uma partida tão bonita, tão bem jogada por todos os jogadores da seleção brasileira, eu vou ali pendurar minha bandeirinha na janela, vestir minha amarelinha e gritar como se não houvesse amanhã: é hexa!, é hexa!