“Irregular! Irregular! Pequena área é do goleiro, meu! Se fosse o Cássio dava na cara, mas o Belo… Bela merda!”
“Mas pelo menos não foi frango, foi falha! Se fosse o Cássio frangava!”, diz a palmeirista. Nem é voley, mas o curintia corta, gentil: “Deixa eu dá uma olhada no churrasquinho!” Aqui é ZL, mas hoje é tudo junto e torcido, torcida! “Vai, Brasil!”
“Futebol é isso!” – bate o pé. E alguém tapa a tela em que escrevo com um zapzap. Estou entre duas telas. Não consigo escrever nem assistir direito. Ah, esse vício de internet que não deixa mais a gente estar presente nas coisas! Quero o ao vivo, o primeiro e o segundo tempo reais, mas nestes tempos virtuais… Lá vem o Brasil pela direita! “Terminando aqui eu vou praí.” Mix Brasil x Suíça x Renata.
“Pupupupu… Corneta da porra! Quem mandou trazer? “Vai, Brasil!” E foi. Que gol bonito! A gente tava precisado, Coutinho!
“Ah, Neymar, quebrou a unha? Calopsita sensível!”
E o Brasil segue. “Casemiro! Para de papagaiar e narra, Galvão! Tiro de meta!”
A gente tem narração nas telas e de todo lado. Todo mundo é especialista em tudo. Eita gente bem treinada, Brasil!
A rede forma uma textura linda na tela da tv. Será que essa é a arte que resta no futebol? A gente se dói e não é vidrinho, é vidraça pro mundo – Tá todo mundo vendo! Ah, se vissem só esse futebolzinho! Ultimamente anda tudo inho, mas a gente vai indo. Toma uma breja e sabe que depois é só tomar um café ou tomar…
“Marcelo é o melhor jogador em campo”, diz a senhora de olhos puxados, mãe da moça de nome francês, que está dando a mão para o namorado alemão. “Opa, tem alemão por aqui! Será que o branquelo veio pra gorar?” Mas assistimos unidos, com nossas diferentes bandeiras guardadas. Esse é o meu Brasil! E cada um dá seu palpite, que de falta de pitaco e alpiste a gente não morre. Seleção canarinho, cadê você?
“Tá parecendo velório essa porra! Vamo acordá, Brasil!”, diz o moço que no intervalo botou um vinil universal pra gente ouvir: “Hey, mr. Tamborine man…” Uuuuuhhhuuu!
“Tom, vai cuidar das linguiça! Tá queimando!”, grita um esfomeado. E a moça ruiva dá uma gargalhada tão gostosa quanto o cheiro que emana da churrasqueira.
“Senhor, isso já cheira mal!”, e infelizmente eu não sei se ele fala da linguiça queimando ou do jogo.
“Renata, depois do jogo tem jazz, mesmo que jaz Brasil! Vem!” E a carinha dela se sobressai na tela do smart. Veja, eu não estou falando da smart, onde passa o jogo. É uma confusão de vidros! É uma confusão entre o mundo virtual e o real, porque a gente vive mesmo se perdendo entre eles.
Tom diz que vai colocar mais combustível no meu copo. Penso em tinta no meu tinteiro, memória no meu celular. “Tudo é matéria de poesia”, disse o Manoel. E eu me lembro toda prosa.
“Pênalti! Ladrão! Juiz ladrão!”
“Ah, miga, você ainda não acostumou com os amigos da onça inimigos do Brasil? Não chore, onça pintada, jaguatirica linda do sertão, não falo de você!” Dou risada do paralelo do moço, tão longe estamos desse sertão, tão imersos em ser tão.
Aí, deixando as onças pra lá, falamos de vaquinha, antes que acabe a linguiça, a carne, o pão de alho. “Vai, menino!” (do bar) “Vai, menino Neymar!”
“Vamo comê gente!” Ops! “Vamo comê, gente!” Ah, vírgula, sua danadinha! Mas no frigir dos times, é tudo junto e misturado mesmo, culturas que se comem. Não é o que se espera? Pluralidade e saciedade, sociedade!
Neymar caiu de novo e já fez cara de choro. “Levanta, grita um torcedor. “Ah, Brasil… Esses meninos! É esse cabelo dele que dá azar!”
A gente ri e chora, ama e odeia o Neymar, lamenta e comemora a falta do Cássio! “Guenta, coríntia! Segura, Brasil!”
Glub, Glub! Tô me afogando em risadas e lágrimas.
“Vai, Brésil”, grita o brasuca de cabelo descólor. “Olha isso, não é possível! Ele ganha 400 paus por mês pra errar esse gol!”, conclui nada plácida a platinada.
Cornetas, palavrões, copos virando, chute na garrafa do chão… É isso aí, vira mesmo, se revolta!
“É agora! Pensa na marquesine e vai! Pô! Cara sem coração!”
É gente, acabou. Ou tá começando agora?
Som na caixa imediatamente no end: “Lá em Londres vez em quando me sentia longe daqui!”
E o Brasil aperta o on de novo.
Compartilhar:
Esther Alcântara
Poeta em essência, também escreve crônicas e letras de música. Nasceu em Monte Aprazível (SP) e há muito vive na capital paulista. Especialista em Língua Portuguesa, atua como editora, preparadora e revisora de textos, além de produzir conteúdo para livros didáticos; eventualmente também é professora. Apaixonada por livros, dedica-se ainda à encadernação artística. Entre suas produções estão o livro de artista Raízes, exposto na Biblioteca Mário de Andrade em 2015, e o minilivro de poemas Vinte poemas para serem lidos com lupa, lançado na Feira Miolo 2016. Seus poemas passeiam por saraus paulistanos, antologias, revistas e sites. Em 2017 publicou Piracema, livro de poemas, e fundou a Carpe Librum Editora. No momento organiza o Sarau Vosz, um novo projeto na periferia de São Paulo. Para Esther, poesia está sempre na pauta do dia.
Todas as crônicas do autor
Curta nossa página no Facebook e acompanhe as crônicas mais recentes.
Crônicas Recentes.
Joca
22/08/2023
Caio Junqueira Maciel
21/08/2023
Maria Alice Zocchio
20/08/2023
Fátima Gilioli
20/08/2023
Marcelo da Silva Antunes
20/08/2023
Marcelo da Silva Antunes
18/08/2023
Marcelo da Silva Antunes
15/08/2023