Nunca soube diferenciar muito bem os sons de alguns fogos com os de tiros. Fico na dúvida se me abaixo para não ser atingida ou se vou à janela admirar o show de luzes.
Credito essa confusão aos hábitos do meu pai, que costumava comemorar os gols da seleção brasileira com tiros do seu velho 38. Ia até a varanda de casa e dava três tiros para o alto. Eu tapava os ouvidos com as mãos, me escondia com medo de que as balas pudessem voltar. Ficava imaginando onde teriam parado, se atingiram alguém.
São lembranças que voltaram agora, com a chegada de mais uma Copa. E junto delas as imagens da conquista de 1970. Era muito pequena e, como a tevê não tinha cores, as minhas lembranças também não têm.
Depois da vitória, e dos tiros, meu pai me levou à Avenida Santo Amaro, perto de casa, para acompanhar a carreata da comemoração, todos com bandeiras do Brasil nos automóveis.
Imagens que se misturam às das passeatas dos jovens contra a ditadura. Seriam os 90 milhões em ação? Os 100 mil nas ruas do Rio? Ou os milhares em São Paulo? Lembranças feitas de imagens em preto e branco. E de tiros. E medo.