De um lado, como descreveu meu sobrinho-neto de três anos, um “desastre terrível”. De outro, uma vitória dramática, épica. Falo do Brasil de Neymar e da Argentina de Messi, claro. Se formos analisar seriamente, veremos que a seleção brasileira vinha de campanha invicta nas eliminatórias sem enfrentar nenhum adversário de peso. Não treinou contra Portugal, Espanha, Holanda, Bélgica, Itália, Inglaterra, Alemanha, Croácia. Só enfrentou times de pouca ou nenhuma tradição no futebol. Assim fica fácil não ver os próprios defeitos. Que são muitos.
Hoje vários deles ficaram evidentes: a falta de organização, que já se evidenciara no dia em que jogamos com os reservas e perdemos pra Camarões, e no segundo tempo contra a Coreia. O pouco tempo de preparação. Nunca tinha visto o selecionado se reunir uma semana antes, parecendo mais um amontoado do que um time com variações táticas, jogadas ensaiadas etc. A dependência de Neymar, de Vini Jr. e de quem fosse capaz de uma jogada isolada de craque foi se mostrando aos poucos. Ruim com Neymar, ruim sem ele, apesar do golaço de hoje, que o desculpa em parte.
Já o adversário tem técnico, o que provou ao preparar seus jogadores para o que iriam enfrentar. Contra nossos “bons de bola”, “lisos”, donos de jogadas de craques, dribles etc., marcação, marcação, marcação. Sabiam do que precisavam. E cumpriram rigorosamente o que foram treinados pra fazer. Futebol, afinal, não se faz só de belas manobras. Ao contrário, requer estratégia, visão do todo. O que eles tiveram e nós, não.
Então vamos às penalidades. Na disputa de pênaltis entre Atlético Mineiro e Flamengo na Supercopa, no início deste ano, todo mundo viu o equívoco que foi deixar o Gabigol pra bater a última cobrança. Não houve a última cobrança. Pois hoje o Tite fez a mesma coisa ao escalar um jovem (Rodrygo, talentosíssimo) que saiu do banco pra abrir os trabalhos. Errou. E o quarto cobrador foi um beque. Enquanto o batedor oficial esperava sua vez de ser herói. Agora chora.
O chororô foi a cara do despreparo daqueles meninos pra tarefa da qual foram incumbidos. A prostração e as lágrimas de hoje versus a salivação e a desfaçatez do bife de ouro. Duas provas de que ali não havia um grupo de atletas conscientes, prontos pra trazer o hexa pro Brasil.
Toda vez que um jogador de futebol dá mais importância ao corte e à cor do cabelo, ao ensaio da dancinha, do que ao treino de faltas, escanteios e pênaltis, pode ter certeza de que ele não está no foco pra missões mais desafiadoras.
Sucesso é fácil. Às vezes basta uma luva de pedreiro pra te fazer rico e famoso. Entrar pro Olimpo exige mais que isso. Procura-se um técnico. Procura-se um time.
Não poderia encerrar esta crônica sem pedir desculpas ao Messi por ter comentado tão en passant o jogo anterior da Argentina, em que o melhor jogador do mundo por sete vezes comemorou mil partidas disputadas em toda a carreira. Messi, sim, é gênio. Hoje brilhou mais uma vez numa quarta de final dificílima contra a Holanda. Diferentemente da nossa, a decisão deles teve lances incríveis, ação e emoção, e prevaleceu a superioridade do futebol ofensivo. Desejo que os latino-americanos representados pelos nossos vizinhos tenham a melhor sorte na sequência dessa tão ímpar Copa do Mundo do Catar.
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Clara Arreguy
Clara Arreguy é jornalista e escritora. Mineira de Belo Horizonte, mora em Brasília desde 2004. Trabalhou nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense, na revista Veja Brasília, em assessorias de imprensa de empresas e governos. Tem 29 livros publicados. Três deles falam sobre esportes: o romance "Segunda divisão" (Lamparina, 2005), o volume de contos "Sonhos olímpicos" (Franco, 2014) e o de crônicas "Futebola - crônicas sobre as copas de 2018 e 2019" (Outubro Edições, 2020), em parceria com Fernanda de Aragão. Um, sobre jornalismo: "Bola Dentro, um furo de reportagem" (Outubro, 2018). Mantém um blog de crônicas e resenhas no site de sua editora: www.outubroedicoes.com.br. E apresenta resenhas literárias no canal da Outubro Edições no Youtube. (Foto: Eugênia Alvarez)
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