Era um jogo tão aberto, de possibilidades equilibradas pros dois lados, que não tinha ideia do que escrever nesta crônica até o apito final da árbitra (como eu amo pronunciar estas palavras: árbitra, artilheira, treinadora!). Normalmente eu já tenho tudo na cabeça quando me sento pra produzir o comentário da partida. Mas hoje não podia ser assim, porque jogávamos bem, de igual pra igual, superando deficiências e impondo respeito às, afinal, favoritas, donas da casa e do futebol mais vistoso e eficiente deste Mundial até aqui.
Claro que as ideias vêm se infiltrando na mente da cronista, e a cada vaia recebida pela Bárbara (e a torcida francesa vaiou nossa goleira 100% das vezes em que ela tocou na bola após o gol anulado pelo VAR) me retumbava no peito uma convicção: só os grandes inimigos são alvos de ataques tão implacáveis. Ok, Bárbara falha muitas vezes, e isso ocorreu em vários dos gols sofridos pela nossa Seleção. Mas nada disso a intimidou, a desconcentrou, a induziu ao erro. O time, todas elas, da goleira à ponta esquerda, estava focado em fazer o possível e o impossível pra ganhar o jogo.
Nosso possível não foi suficiente pra passar às quartas de final, mas representou muito mais do que classificação ou desclassificação. Esta Seleção, mais do que nunca, conquistou o Brasil. Ganhou medalha de ouro no coração da torcida apaixonada, que nunca mais reagirá com qualquer resquício de desprezo ou de pouco caso ao futebol feminino. Impôs-se aos adversários da modalidade, à pouca visibilidade, aos preconceitos, aos investidores descrentes, aos próprios clubes, míopes às infinitas possibilidades do esporte, da mulher, da mulher no esporte.
Tenho escrito, falado e repetido que o mundo mudou e que nunca mais será o mesmo no que toca à mulher, seus direitos, seu lugar. Não tem volta. Apesar da vanguarda do atraso, com sua mente fechada, seu contumaz desrespeito e sua tentativa de impedir o mundo de girar, andamos pra frente, crescemos como povo e como gente, e viva o futebol feminino a dar seu quinhão pra esse lindo movimento das mulheres do Brasil e do mundo!
Obrigada, Formiga e Cristiane, que se despediram das copas do mundo, mas que antes disso nos ensinaram, nos alegraram e nos emocionaram tanto! Obrigada, Marta, que segue a nos encantar. Obrigada, Bárbara, pela dignidade durante os cem minutos em que foi vaiada pelo estádio lotado. Obrigada, meninas, vocês são feras e já moram nos nossos corações!
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Clara Arreguy
Clara Arreguy é jornalista e escritora. Mineira de Belo Horizonte, mora em Brasília desde 2004. Trabalhou nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense, na revista Veja Brasília, em assessorias de imprensa de empresas e governos. Tem 29 livros publicados. Três deles falam sobre esportes: o romance "Segunda divisão" (Lamparina, 2005), o volume de contos "Sonhos olímpicos" (Franco, 2014) e o de crônicas "Futebola - crônicas sobre as copas de 2018 e 2019" (Outubro Edições, 2020), em parceria com Fernanda de Aragão. Um, sobre jornalismo: "Bola Dentro, um furo de reportagem" (Outubro, 2018). Mantém um blog de crônicas e resenhas no site de sua editora: www.outubroedicoes.com.br. E apresenta resenhas literárias no canal da Outubro Edições no Youtube. (Foto: Eugênia Alvarez)
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