Ouvi falar que, na Coreia, quem não for bonito o suficiente pra protagonizar “doramas” vai cantar no K-pop ou jogar futebol. Deu no que deu. Jogo amistoso, 6×1 pra nós. Valendo, 4×1. Assim mesmo jogando só um tempo, porque o Tite pode se dar ao luxo de não escalar o Pedro e botar em campo só seus amiguinhos.
Foi uma partida animadíssima, principalmente pelo passeio da primeira etapa, quando a torcida, já embalada pelo ajantarado regado a todo tipo de bebida, estava pronta pra gostar de tudo. Se esse tudo incluísse gol do Vini Jr., aquela pedra preciosa, um pênalti pro Neymala homenagear o presidente eleito aos 13 minutos, pintura do menino Richarlison e um pro Paquetá sambar com o remelexo que veio da ilha mais charmosa do Rio de Janeiro, não precisa de mais nada.
Aí a gente esquece bife selado a ouro, babaquices de todos os matizes, e sai pro abraço. Porque hoje tinha Brasil em campo e era dia de festa.
Ouvi falar que o Tite fez a dancinha do Pombo pra se defender da acusação de não ter moral sobre o grupo, não ter tática, não ter plano B, ter rebaixado o Atlético e uma série de outras injustiças contra o treinador do escrete.
Ouvi falar que ninguém botou fé na contusão do Gabriel Jesus porque ele está sempre com cara de choro então suas dores não foram percebidas de primeira.
Ouvi falar que, no bolão em que apostei, o placar de 3×0 vai ser aceito como saldo dos 4×1. Juro que ouvi falar isso.
Ouvi falar que, no Japão, depois dos três pênaltis perdidos contra a Croácia, eles vão criar uma escola de cobranças de pênalti que fará com que, em 2032, os japoneses sejam os melhores batedores de toda a galáxia. Juro que ouvi.
Ouvi falar que a Croácia vai entrar em campo com a camisa de toalha de mesa mais charmosa da Copa porque vem dando sorte desde a Rússia em 2018.
Ouvi falar que a França já suspendeu a reserva da cadeira ao lado do Mbappé pra levar o troféu, diante do futebol apresentado pelo Brasil no primeiro tempo e supondo que corre o risco de o time do Tite jogar dois primeiros tempos numa partida que valha a vida ou a morte.
Ouvi falar que a iniciativa dos jogadores da seleção brasileira de homenagear o Pelé ao final do jogo foi sincera, espontânea, e não fruto de uma ação de marketing pra tentar limpar a barra dos riquinhos flagrados em ostentação violenta e vergonhosa na churrascaria El Toro de Oro.
Ouvi falar, juro que ouvi, que Pelé nunca morrerá, porque o que ele fez pelo esporte, pelo Brasil, pela autoestima dos negros de todo o mundo, pela arte de brincar e ser feliz com uma bola, tudo isso está tatuado na alma e no coração das pessoas. Pelé eterno. Rei. O maior. Mas isso eu não ouvi falar. Isso eu sei.
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Clara Arreguy
Clara Arreguy é jornalista e escritora. Mineira de Belo Horizonte, mora em Brasília desde 2004. Trabalhou nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense, na revista Veja Brasília, em assessorias de imprensa de empresas e governos. Tem 29 livros publicados. Três deles falam sobre esportes: o romance "Segunda divisão" (Lamparina, 2005), o volume de contos "Sonhos olímpicos" (Franco, 2014) e o de crônicas "Futebola - crônicas sobre as copas de 2018 e 2019" (Outubro Edições, 2020), em parceria com Fernanda de Aragão. Um, sobre jornalismo: "Bola Dentro, um furo de reportagem" (Outubro, 2018). Mantém um blog de crônicas e resenhas no site de sua editora: www.outubroedicoes.com.br. E apresenta resenhas literárias no canal da Outubro Edições no Youtube. (Foto: Eugênia Alvarez)
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