O radinho

O radinho

Gervásio não se considera supersticioso. Passa por debaixo de escadas, não se preocupa com gatos pretos cruzando à sua frente, sextas feiras treze ele tira de letra. Mas, como não poderia deixar de ser, Gervásio tem uma pequena, minúscula, superstiçãozinha: desde a final da Copa de 1994, em que estava de serviço como segurança de um depósito de gás na periferia de Guarulhos, ele escuta o final da Copa com a participação do Brasil num pequeno rádio de pilhas.
Todos sabemos que o Brasil acabou campeão naquela Copa, apesar do time meia boca, graças ao Romário e ao infortúnio do italiano que perdeu um penalty na final. Gervásio, radinho colado na orelha, rua deserta e silêncio sepulcral ao redor, vibrou e gritou muito. Como nasceu em 1970, este foi o primeiro título da seleção do Brasil que ele pôde comemorar.
Em 1998, durante a época da Copa na França, Gervásio trabalhava em uma outra empresa, e esta colocou um aparelho de tevê para os funcionários assistirem aos jogos. Na final, plantado em frente ao aparelho, ao invés do show do Brasil que se esperava, fomos obrigados a engolir o tal Zidane dando as cartas e tornando a França campeã. Quando deu por si, radinho esquecido em alguma gaveta, Gervásio começou a acalentar a suspeita de alguma superstição.
Os anos passaram, Gervásio pulou de emprego a emprego, mulher a mulher (Zilda, depois Clotilde, Conceição, e finalmente, Raimunda), agora ajudante de motorista de caminhão, o Carvalho, que detesta futebol, a final da Copa de 2002 os surpreendeu presos num lamaçal numa BR qualquer nos confins do Mato Grosso.
Final de Copa, jogão entre Brasil e Alemanha, Gervásio em vão tenta argumentar com o patrão para permanecerem no posto de gasolina em que estavam. Este não quer saber e partem para o norte, resultando no inevitável encalhe. Lama e barro por todos os lados e o esbravejante Carvalho Nõ cessa de praguejar. Gervásio, prevenido, sacou o radinho-talismã, e sentado no alto da lona que cobria a carroceria vibrou a cada segundo em que o Brasil trouxe o tão sonhado pentacampeonato para casa. O velho Sanyo, gasto e usado, funcionou!
Chegamos agora a 2014, Copa no Brasil. Gervásio tenta em vão, acreditar que estaremos na final, mas nossos sonhos foram destroçados por uma blitz alemã, e o sete a um ainda ecoará como ferida aberta na mente dos brasileiros por muito tempo mais. Nossa autoestima destruída, somos o pais do futuro, sempre tem mais…bla bla bla.
Quatro anos se passaram. Muita coisa aconteceu nesse período. Experiente e prevenido, Gervásio já comprou pilhas novas para o seu valente radinho. Não lê jornais e nem tampouco acompanha noticiários pela TV. Internet, desconfia, não é boa coisa, por ouvir dizer. Agora traz e revende muambas do Paraguai, tem uma barraquinha de bugigangas numa feira na periferia de Osasco. Assistiu apreensivo ao empate do Brasil, na estreia, contra o ferrolho suíço. Mau agouro, mas iria piorar: seu barraco numa favela na periferia da cidade, foi roubado enquanto ele estava fora. Desesperado, em meio ao caos de caixas derrubadas e coisas bagunçadas, primeiro foi buscar o seu velho e predileto amuleto. Em vão: o radinho foi levado pelos gatunos que não sabem o estrago que acabaram de fazer. Certamente, não teremos Brasil na final, e para Gervásio, a Copa acabou!

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