Completamos a primeira semana da Copa do Mundo do Catar e temos algumas interessantes constatações: há muito o mundial da Fifa ultrapassou apenas a condição de ser apenas um torneio de futebol. Simbologias, resgates de nacionalismos, brios, revanche, autoafirmação, tudo isso e mais, proporcionado pelo futebol emerge durante essas poucas semanas a cada quatro anos.
Para começar com a polêmica da escolha da sede. No Brasil, em 2014, os governantes e grandes empresários empreenderam grandes esforços e somas de dinheiro para assegurar que o torneio acontecesse em terras tupiniquins. No recente filme “Eike”, em exibição na plataforma Netflix (filme esse que é uma bela porcaria, por sinal), há uma passagem que ilustra a orgia do emprego de verbas públicas e empresariais para obter vantagens e trazer a Copa para cá. No caso do Catar, arrepia-me pensar no que realmente rolou nos bastidores. Contra tudo e contra todos, venceu a força dos petrodólares. Direitos humanos básicos e fundamentais foram varridos para debaixo dos tapetes. Relatos de trabalho escravo e mortes de funcionários durante as construções dos estádios foram saudados com desdém pelo ético ocidente em sua sanha por dinheiro.
O Brasil vive um momento delicado onde a própria democracia está sendo testada até seus limites. Eu sou de direita moderada, não fiquei feliz com o resultado das eleições presidenciais, mas reconheço que a opção era igualmente inadequada. Paciência. O problema são as narrativas. O Neymar tem todo o direito de declarar seu voto em quem quiser, sejam quais forem as suas razões. Mas, por ter optado pelo candidato odiado pela esquerda que domina a grande mídia, foi quase crucificado em praça pública. Eu nunca fui muito fã dele como pessoa, apesar de reconhecer seu enorme talento como craque, mas defenderei até a morte o direito democrático de escolhermos e apoiarmos quem quisermos. Não achei legais as hostilidades ao Gilberto Gil, em grande evidência na imprensa chapa branca, mas não vi repercussão alguma em outras situações parecidas ocorridas com personalidades de direita. Estou fugindo um pouco do ponto, deixa eu voltar à Copa do Mundo. Nunca houve dúvida que vestir a camisa canarinho simbolizava torcer por nossa seleção. Em anos recentes os apoiadores do presidente Bolsonaro apossaram-se das cores nacionais em contrapartida ao vermelho do PT e criou-se uma saia justa no momento da Copa. Polêmicas inúteis, pois assim que o juiz apita, somos todos uma só nação de fanáticos.
Após apenas um único jogo, o Richardson, que parece ser um bom rapaz, com consciência social e tudo o mais, foi alçado à condição de novo “Salvador da Pátria”, na vaga do agora “manchado” Neymar. Calma com o andor, pessoal. O menino é gente boa, joga bem, mas está longe de ser um craque ainda. Pode ser que chegue lá, mas ao exaltarmos demais acabamos queimando os nossos futuros-quase-ídolos. Parece que não aprendemos nunca!
O fato é que os fatores extracampo passaram a ter uma importância até maior do que os resultados das partidas. O mundo está passando por mudanças profundas e nós talvez não estejamos percebendo. Achei interessante a lembrança da fala do falecido deputado Enéas: quando o Brasil passar a se preocupar mais com a política do que com o futebol, estaremos realmente a caminho da civilização. Ou algo assim, sou péssimo em citações e muito preguiçoso para ir no google! Enfim, parece que no momento, apesar do aparente sucesso de nossa seleção, a política e os destinos do país são mais importantes para nós. Aleluia!!!
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Cezar Fittipaldi
Escritor diletante, ourinhense de nascimento e coração, professor de escola pública, ex-empresário, eterno sobrevivente nesse país de desafios, encara a vida como uma gigantesca obra literária em tempo real. Seu esporte favorito é o automobilismo, gosta de basquete, atletismo, natação e o futebol já foi mais apreciado. Já assistiu a numerosas copas do mundo, todas pela televisão, e torce comedidamente pelo time do Brasil, sabendo separar ufanismo e nacionalismo de amor ao esporte.
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