FUTEBOL, ESSA SURPRESA DE CAIXINHA

“Qualquer jogador pode deixar-se surpreender. Menos o que está lá, debaixo dos três paus, para agarrar tudo. No dicionário do goleiro, a surpresa chama-se gol.”
E a surpresa da crônica esportiva chama-se Nelson Rodrigues, autor dessa frase e de tantas outras frases e histórias. Foi o homem que, num terreno baldio, me deu de presente o Feola, meu cachorro vira-latas que tem complexo de gente.
O futebol tem muitas almas e a surpresa é uma delas. Ou era, pois ele, que já foi chamado de “caixinha de surpresas”, hoje se resume a uma surpresa de caixinha, uma surpresa em série, industrializada, como a caixa de sorvete que todo domingo a gente leva pra casa. Nada mais desoladamente planejado e conhecido, manjado do que o futebol de hoje. Desclassificaram a Espanha, com seu futebol tike-tartaruga, que sai de sua área tocando a bola magistralmente e, quando chega com perigo na área adversária, já acabou o primeiro tempo. Mas ficou a Croácia, esse time de cantina italiana do Braz, com seu futebol um por dez: um joga – o Modric – e dez tentam aprender e não conseguem. É verdade que eles tiraram o Brasil, mas isso fala mais do Brasil do que deles. Aliás, outra vantagem da nossa derrota foi a gente ter se livrado daquele canário medonho, com seu apelido mais medonho ainda, Pistolinha, e sua cara de quem perdeu a Copa no dia que saiu do ovo.
Tudo isso vem deixando desolados a mim e ao meu parceiro aqui em Doha, o também cronista esportivo Alexandre Brandão. Sem falar no Feola, que passa as noites ganindo pra Lua. Pelo menos três vezes por madrugada o gerente do hotel vem trazer reclamações dos outros hóspedes. Pra nossa sorte ele só fala árabe e nós não entendemos uma palavra. Deixamos o pobre homem esbravejar à vontade, respondemos em português, fazendo cara de “nos desculpe, isso não vai acontecer mais”, até ele cansar e voltar pra onde veio. E nós, para pegar no sono de novo, bebemos mais uma das garrafas de gin ou de uísque que trouxemos malocadas no forro da casinha de cachorro do Feola. E ninguém na Alfândega suspeitou de uma casa de cachorro tão grande e pesada. Nosso único medo é que o gerente do hotel nos denuncie para a tão delicada Polícia do Emir, sempre pronta a distribuir suas 200 chibatadas. Gelo que é bom, eles não trazem.
E chegamos às semifinais, finalmente. Ou melhor: semifinalmente. Feola, radical como sempre, aposta numa final Marrocos e Croácia. Conseguiu, inclusive, informações de que Modric vai lavar aquele cabelo com shampu, para entrar em campo mais leve e ágil na primeira semifinal, contra a Argentina. Alexandre aposta no grande clássico Argentina e França, com o sensacional duelo entre Messi e Mbappé. E a informação exclusiva que ele traz para a semifinal entre França e Marrocos é que Mbappé se contundiu num treino e deve jogar com um p a menos. Eu acredito numa final entre Marrocos e Argentina, não sei se pelo que vêm jogando as duas seleções ou se pela quantidade de uísque que já bebi aqui na casinha do Feola.
Mas a Copa vai chegando ao fim e podemos tirar dela grandes lições, como nunca mais pisar no Katar. No entanto, algumas perguntas seguem sem resposta. Por exemplo: você compraria um carro usado do Gianni Infantino, presidente do Fifa? E uma Copa usada da própria Fifa?

Compartilhar:

Curta nossa página no Facebook e acompanhe as crônicas mais recentes.

Crônicas Recentes.