(Publicada em novembro, quando da internação do Rei)
Leio que Pelé foi internado outra vez. É o que diz a manchete do jornal que me assusta. O texto esclarece que o procedimento é para exames de rotina. Tirando as dores e uma certa dificuldade para andar, ele até está bem para seus 81 anos. Ufa.
Houve um tempo em que rotina, para Pelé, era marcar gols. Ninguém fez mais do que ele no mundo. Está certo que também fez e disse algumas bobagens. Mas não esperávamos dele que dissesse sabedorias, mas que nos desse alegrias aos domingos, que nos encantasse com sua magia, ou que nos sentíssemos gloriosos de quatro em quatro anos.
O enfermeiro pode aplicar a injeção errada, o meteoro cair sobre o hospital, mesmo o serial killer pode entrar disfarçado de zagueiro. Inútil. Tantos tentaram matar o Rei, e olha ele ali, fazendo gol de placa, dedicando o milésimo gol às crianças pobres do Brasil. Pelé não é Deus, mas é um deusinho. É impossível matar Pelé.
Garrincha já foi melhor que Pelé. Eusébio já foi melhor que Pelé. Cruijff, Maradona, Zidane, Cristiano Ronaldo, e, mais recentemente, Messi. Mas a referência é sempre Pelé, ele é o sarrafo a ser superado. O homem que inventou a camisa 10, que fez parar uma guerra para que pudessem assisti-lo jogar, o Rei, o Atleta do Século.
Pelé, sim, é mito. Uma auréola, um espectro negro, um grito lançado no espaço há pelo menos 60 anos, inefável como um soco no ar. É um desejo, um pôster no armário, o sonho da criança que joga bola, o sonho da própria bola, a glória dos que nasceram pobres e foram visitados no vestiário pela rainha da Inglaterra.
Estamos tão precisados de alegrias. Ultimamente, parece que só manchetes ruins acontecem ao Brasil. Aí a gente vai ler (ou assistir) a notícia e, em vez de ufa, é mais preocupação: é o mato queimando; os rios, secando; os políticos roubando; a inflação, voltando; o povo empobrecendo, e as pessoas discutindo, discutindo e discutindo. Parece que a gente pegou um desvio errado, não é mais o país de Pelé, de Tom, de Drummond, de Caymmi, de Burle Marx, Bandeira, Chico, Niemeyer, Caetano… viramos o paraíso dos golpistas, feminicidas, ignorantes orgulhosos de sua condição. Ou as notícias é que andam mais mal-humoradas que de costume?
Veja, não estou falando só de futebol, mas de uma ideia de país, um lugar triste mas alegre, talentoso, diferente, sem igual no mundo. Cheio de problemas, mas esperançoso e orgulhoso de si. Há quanto tempo não temos orgulho do nosso Brasilzão?
É preciso que este país resista. É preciso que o Brasil de Pelé persista.
Ó Senhor: leve o sacerdote, o escafandrista, os que querem liberam armas para todos, o dono da madeireira, o paleontólogo, o miliciano, o corneteiro, o torcedor desencantado, o político que desvia dinheiro para a saúde e educação, há gente disponível. Mas não Pelé, seria um baque muito grande pra gente no meio de tanta coisa ruim.
Não ele. Não agora.