Tira o velho da sala

Vô Nofrinho, como sempre, hoje acordou cedo. Foi à padaria, comprou uma rosca de torresmo, pãezinhos franceses, leite desnatado e levou para casa. Eram 8h40 quando acabou de arrumar a mesa para a filha, o genro e os quatro netos.

Minutos depois, os seis desceram correndo do andar superior do sobrado. O genro já pegou o controle e ligou no jogo. Vô Nofrinho sentou-se em sua cadeira de balanço e ficou apreciando a partida num vetusto silêncio.

Não houve gols no primeiro tempo. Durante o intervalo todos tomaram o desjejum às pressas para poder ouvir os comentários.

Na segunda etapa, o time parecia ainda embolado, nenhuma jogada surtia efeito. A filha, o genro e os netos se impacientavam, xingavam. Só Vô Nofrinho seguia num paciente mutismo.

Ali pelos 35 minutos foi ao lavabo para tirar uma aguinha do joelho. Quando sacudia os pingos ouviu os gritos da filha (sempre desbocada): “porra, gol, porra!”

E, na sequência, o genro completou: “foi o veinho sair da sala e o Coutinho marcou, deixa ele lá, Margarete!”

Foi quando Vô Nofrinho ouviu ruídos de móveis sendo arrastados e encostados na porta do WC. Tentou fazer uma pressão sobre a fechadura e confirmou que estava trancafiado.

Em vão tentou chamá-los, mas o jogo parecia ter esquentado e sua presença não era bem-vinda. Lembrou-se que estava com o celular no bolso da blusa de lã. Abriu o app de TV, mas a conexão no banheiro era péssima.

Naquele momento vieram mais gritos da filha: “porra, gol, porra!” E o genro emendou: “dois, dois, era o veinho, era o veinho na sala!”

Cochilou sentado na privada até o apito final.

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