COPOS NAS COPAS: DE GOLES E GOLEADAS
Há em Belo Horizonte um bar chamado Ali Ba-bar onde eu costumar ir ali beber. Uns quarenta litrões… Não, não eu, que não tive ali meu fígado afogado, mas o Cassim, um assim daqueles velhos boêmios, amante de futebol, que era também metido a poeta, gostava de levar um livro para o boteco e escrevinhava em guardanapos. Cassim, que tinha o apelido de Zumbaia, devido à reverência que sempre fazia ao tirar chapéu para as moças, possuía um hábito para lá de excêntrico: em época de Copa do Mundo, fazia questão de beber tantas garrafas de cerveja quanto fossem os gols marcados em cada jogo. Já se vê que detestava o zero a zero. Quando um time abria o placar, era um abre-te sésamo, e Cassim entoava aquela paródia que dizia os anjos desceram sentaram-se à mesa chamaram o garçom e pediram cerveja abre abre abre a cerveja…
Conheci Zumbaia nos anos 70, quando entrei para a faculdade de Letras e aprendi a técnica da paronomásia, expediente bom para combater a amnésia, com os escritos guardanápicos desse boêmio, aí nesse bar, onde também travei conhecimento com o escritor João Etienne Filho, da geração de Fernando Sabino. Etienne tinha sido técnico de basquete, apesar de ser baixinho, assim como eu. Ouvi rumorosas discussões entre Cassim e Etienne, principalmente em torno de literatura, pois Zumbaia defendia a Poesia concretista ao passo que João gostava mais era do verso tradicional. Na Copa de 1974, lembro-me de ter visto o Cassim, que estava no fim de uma terceira cerveja depois do modesto placar do Brasil contra o Zaire. Porém, me disseram que ele saiu para lá de Bagdá no jogo do Zaire contra a Iuguslávia, quando a goleada foi de nove a zero contra os africanos.
Uma outra característica do Zumbaia era que, quando o Brasil jogava, se a Seleção levava gol, o nosso curioso bebedor tomava extra uma bebida que, dizem, detestava: um Jägermeister para cada gol sofrido. Em 1982, Zumbaia ficou muito bêbado quando a Hungria enfiou dez a um em El Salvador, porém, foi no fatídico três a dois da Itália contra o Brasil é que deixou nosso personagem mais arrasado.
Depois que me casei, passei a ir de raro em raro no Ali Babar, mas o Cassim, embora se julgasse bem galã, estava usando uma bengala, continuava firme em seu propósito, como no dia em que a Dinamarca enfiou seis a um no Uruguai, na Copa de 1986 ou na vitória do Brasil de três a dois contra a Holanda, na Copa de 1994 – quando então o Jägermeister já deixava-o extremamente cambaio. Aliás, foi nessa Copa nos EUA que Zumbaia, eufórico, chamou o garçom e disse, olhando para a tabelinha que levava amassada no bolso: olha que beleza de poema casual e concreto: Holanda joga com a Irlanda em Orlando…
Me disseram que o Cassim morreu em 2002, aliás naquela mesma Copa em que Belo Horizonte perdeu seu cronista e romancista Roberto Drummond, torcedor do Galo perante o Eterno. Creio que foi depois da goleada de Portugal contra a Coreia do Norte, por sete a zero. Zumbaia não chegou a ver o Brasil ser campeão contra a Alemanha. E ficou dispensado de beber sete Jägermeister em 2014.