COPA DO MUNDO NO KIKUIO

COPA DO MUNDO NO KIKUIO

Já disseram que futebol é a coisa mais importante entre as coisas menos importantes. Para mim, futebol é a perpetuação da infância. É quando o adulto se permite continuar molequemente o jogo em que entrou lá nas lonjuras de sua meninice, chutando bola de capotão sem dar bola pra capitão nenhum.
Desde criança sou Vasco da Gama. Dois padrinhos meus eram do time de São Januário e um deles me enfiou uma camisa vascaína – que na época parecia mais camisolão – e para sempre Vasco me tornei e de suas glórias me entornei.
Comecei na década de 50, ouvindo no rádio e ganhando vários títulos. Na década de 60 o Expresso da Vitória descarrilou, e só mesmo em 1970 vi o Vasco ganhar o campeonato carioca. Depois ganhamos o Brasileirão de 1974 que, na época, se chamava Robertão. E nas décadas de 80 e 90, fomos felizes. Começamos bem o século XXI, mas, depois de 2011, com a Copa do Brasil, a coisa desandou. E vieram os rebaixamentos e, finalmente, um novo acesso.
A Copa que vem aí não tem nenhum jogador do Vasco. Não há como catar alguém ali, a esta altura do campeonato, nesse deserto de craques. Se olharmos para a História, veremos que a primeira vez em que isso ocorreu foi na Copa de 1962, no Chile. Bellini e Vavá já não eram do clube da Cruz de Malta. E este texto é especialmente sobre o dia 17 de Julho de 1962: Brasil x Tchecoslováquia.
Naquele dia, meu pai, um dos donos do Cine Vitória, em Cruzília – cidadezinha sul mineira, pequena, fatia do queijo-Minas– preparou a surpresa: pôs o rádio no alto-falante do cinema, de tal modo que ouvíamos o jogo lá do campinho do “Kikuio”. Para quem não sabe, quicuio é um tipo de grama, além de designar povo africano de Quênia. Entendam: com dez anos de idade, eu achava que a disputa no Estádio Nacional de Santiago era similar à peleja entre nosso time Kikuio Atlético Clube, devidamente com uniforme como o do Vasco, eu ali, na ponta direta, com a diagonal da camisa invertida, contra os botinudos dos Pereira Lima Futebol Clube.
Quando lá no Chile o árbitro russo deu a saída, a coisa estava ficando ruça em nosso campinho, pois perdíamos de 3x 1, mesmo a gente contando com um torcedor extra: o vira-lata Wilson, xará do tal inglês que perseguira o cão Bob, no 3×1 do Brasil contra a Inglaterra. Mal sabíamos que ali estava o oráculo do placar prometido pelos deuses para aquela tarde. Do onipresente rádio vinham nomes estranhos, Kvasnák, Kadraba, Popluhár e Pluskal, juntando-se aos nossos conhecidos Djalma e Nílton Santos, e outros santos, Garrincha, Gilmar e Didi. O Amarildo, substituto de Pelé, ficou bem mais amado ao empatar, logo após o gol de Masopust.
O segundo tempo ia pela metade, o raio do jogo no Chile ainda empatado, a gente achando que Schroif era muralha que nem a bomba do ex-vascaíno Vavá desmoronava. A tensão da final contagiava nossa partida também renhida, agora um tenso 6×6. De repente, o gol de Zito, zunindo bonito. A tarde ganhava novos matizes. Papai, eufórico, aumentava o som do rádio lá no cinema, abafando o sétimo gol do timeco dos Pereira. E o Vavá fazia o terceiro gol. Sim, o Kikuio perdeu, mas o carnaval comia solto no som do Cine Vitória. Foi aí que entendi plenamente o nome daquele cinema. E ainda tive alegria suplementar de ter sido um dos ganhadores do bolão, pois cravara o placar de 3x 1 para a seleção canarinho…

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