AGARRE A CÓLERA DOS DEUSES
Não, não se trata aqui de falar daquele incrível filme alemão do Herzog, de 1972, em que exploradores liderados pelo nobre Pedro de Ursua – interpretado pelo magnífico Klaus Kinski – vieram em busca do Eldorado, na Amazônia. Com perdão do trocadilho, mas o agarre aí está mesmo é ligado à condição do goleiro, que, além dos chutes do adversário, têm de agarrar e mandar para escanteio até mesmo a cólera dos deuses.
Alguém já disse que o goleiro deve ser tão preciso que até o nome de sua profissão, em português, é anagrama de relógio. Meu pai dizia goalkeeper, como também falava off side. Coisa para inglês ver. E nós vimos o inglês Banks segurar a cabeçada do Pelé. E vimos o Yashin, dito Aranha Negra soviético, e o bigodudo Carbajal, do México. Vi de perto Castilho, Manga e Gilmar, nos treinamentos da Copa de 1966. Os três estavam em Caxambu, naquela preparação inacreditável de 40 jogadores, e eu ali babando. Me lembro que o Manga, ao bater um tiro de meta, foi interpelado pelo professor Zé Migué, que morava em Cruzília e treinava o valoroso Ypiranga Atlético Clube: o professor de inglês estava dando dicas para o Manga de como bater um certeiro tiro de meta, veja só.
Quando comecei a torcer pelo Vasco, o goleiro era Barbosa, da tragédia de 1950. Mais recentemente, mas não tão recente assim, o goleiro que mais me divertiu foi o Higuita, da Colômbia. Suas loucuras eram impressionantes, desde que não jogasse em nossa meta. Na Copa de 70, ficou memorável aquele lance de Pelé contra o arqueiro uruguaio de nome polonês, o Ladislao Mazurkievcz. E também a cabeçada do Pelé que obrigou o inglês Gordon Banks pular que nem o Tarzan Gordon Scott… Mas não gostei quando o Pelé marcou seu milésimo gol (pô, tinha de ser contra meu time) no goleiro argentino Andrada.
Antes era fácil guardar nome de goleiro brasileiro: Gilmar, Manga, Castilho, Carlos, Leão, Félix, Marcos, Taffarel (mais complicadinho). Mas agora tenho dificuldade com esses Alisson, Ederson, Weverton… e tinha até o Everson, que defende o Galo. Goleiro estrangeiro tem nome de político ou de escritor, como aquele bom defensor belga, o Thibaut Courtois. E me lembro do goleiro português da Copa de 66, Costa Pereira – nome de proprietário de armazém de secos e molhados.
Jogar no gol, quando éramos meninos, era um duro castigo. Mas uma vez tomei gosto e, apesar de baixinho, a única medalha que ganhei no ramo esportivo foi na condição de goleiro, num campeonato de futebol de salão. Finalizo dizendo isto: ainda que sejam talentosos, há sempre o dia em que levam frangos. Se compararmos com os gols que os atacantes perdem, a proporção é descomunal, mas eles, os goleiros, são impiedosamente criticados. Então, que agarrem a cólera dos deuses.