Durante a faculdade, às quartas-feiras, após a aula de Direito Comercial, saíamos para jogar futebol. Entre vários pernas de pau, havia o Rocha, que se vangloriava das piadas machistas com as quais “animava” o pessoal no pós-jogo. Os tempos eram outros, mas o seu comportamento já trazia arrepios às pessoas que ali nos rodeavam.
Ele abandonou os estudos logo no segundo ano. Disseram as línguas que a namorada havia engravidado e, por isso, ele sumira do mapa.
Com o caminhar do calendário, apenas nos perguntávamos onde estaria o Rocha, mas as críticas lembranças se resumiam aos comentários que fazia em provocação às meninas (já!) empoderadas de nossa classe.
O tempo cuidou do nosso esquecimento até a Copa do Mundo das mulheres lá do outro lado do planeta. Na despedida da rainha Marta, estava ele na arquibancada com um cartaz: “Marta, somos seus fãs!!! Rocha e Rochinha”.
Seria um verdadeiro meme se não fosse a aversão que ele tinha ao Futebol Feminino nos tempos de Mackenzie.
Procurei pelas redes (anti) sociais e achei o Rocha. Mandei um direct. Era ele mesmo. A filha era a Rochinha, que jogava futebol no campeonato australiano. Rochinha era canhota tal como o pai e fã da rainha Marta.
Contou-me que mudou para a Austrália, pois havia se desencantado com o Brasil: sua ex-esposa havia sido demitida da empresa, quando anunciou a gravidez e “além disso, o Lula tinha vencido aquela primeira eleição. Resolvemos ir embora”, confidenciou.
Outro dia, fizemos uma chamada de vídeo. Disse que era fã inconteste do Futebol Feminino. Pai ciumento, contou-me que almoçava com a nora todo santo dia, enquanto a filha treinava. De vez em quando, ainda conversa com a mãe de Rochinha, sua ex-esposa, hoje casada com um famoso e jovem surfista australiano. Ela vive viajando pelo mundo, acompanhando o atual marido pelo circuito mundial, revelou com a mão no coração.
Trouxe Rochinha para a conversa; chamei o Pedro; os três até trocaram palavras em inglês. A sós novamente, contou-me como a filha tinha mudado a sua vida e a forma de enxergar as mulheres. Os motes das piadas haviam mudado. Curvara-se ao ativismo da filha na defesa dos Direitos delas. Rocha já não era a mesma rocha de outrora:
– Não sei se voltaria ao Brasil. Tenho medo do povo preconceituoso que tem por aí. Não sei, tudo que minha ex viveu, quando grávida lá na firma; o nascimento da Rochinha; ter uma filha; viver o dia a dia de uma menina que gosta de chutar uma bola; uma mulher que hoje é jogadora; o casamento e a luta dela pelos direitos das Mulheres – suspirou – não sei como seria minha vida, nossa vida no Brasil. Fui aprender a respeitar uma mulher, quando tive a Rochinha em meus braços pela primeira vez. Nunca tive os melhores exemplos e achava que ser machista era o normal. Do preconceito à lacração, tudo isso me afasta do Brasil e do brasileiro.
Em silêncio, ouvindo aquele desabafo, lembrei-me das históricas palavras bíblicas: “Tu és Rocha e sobre esta Rochinha edificarei a minha igreja…”.
Com os olhos lacrimejando, contou-me ainda que estava muito ansioso, pois esperava a finalização do processo de adoção do netinho brasileiro:
– Quando tudo se resolver, vamos buscar o Neto aí em Parelheiros. Quero te ver! Quero conhecer o Pedroca e a sua família. Vamos marcar aquele jogo com o pessoal.
Mal ele sabia que a família havia proibido “aquele jogo” depois da minha última lesão ligamentar e da cirurgia no pé no começo do ano.