A seleção croata derrotou o Brasil nos pênaltis e passou para a semifinal. Em uma partida com alternâncias na dinâmica do jogo da seleção brasileira, os croatas parecem ter vencido mais por sua concentração e resistência mental do que propriamente por um jogo vistoso ou muito superior ao Brasil. O que parece ter faltado aos jogadores brasileiros, sobrou aos croatas, concentrados até o final da prorrogação e sobretudo nos pênaltis, como se fossem enxadristas focados nas posições das peças sobre o tabuleiro, antevendo posições do adversário, sem dar bola para o cansaço ou o teórico favoritismo do Brasil.
Não é a primeira vez que a Croácia demonstra este poder de resistência em que o controle mental auxilia seu futebol de bom toque de bola, exercendo pressão com persistência e volume de jogo constante. Na copa de 2018 enfrentou prorrogação nas quartas, oitavas e na semifinal. Passou nas duas primeiras fases do mata-mata, contra Dinamarca e Rússia, nos pênaltis, e a terceira venceu na prorrogação, contra Inglaterra. Em 2022 já é a segunda partida com tempo extra e disputa de penalidades, vencendo Japão e Brasil.
Desconfio que o xadrez do seu tradicional uniforme seja a fonte deste superpoder mental. Afinal todas essas partidas foram disputadas com o belo design enxadrístico da camisa croata. Corre a lenda que Stephen Držislav, rei da Croácia em 969- 997 DC, capturado pelos venezianos durante a expansão oriental de Veneza, ganhou sua liberdade depois de vencer as três partidas de xadrez que teriam sido disputadas contra o Doge Pietro II Orseolo. Como agradecimento ou alusão à contenda salvadora, o desenho do tabuleiro teria sido incorporado pelo rei ao Brasão Croata e, bem mais adiante, no salto para a data histórica de 1990, durante a separação da Iugoslávia, a bandeira ganhou este brasão e logo depois seu quadriculado também formou o desenho da camisa da seleção, a chamada Kockasti, o Time Xadrez em croata, forma pela qual o povo também se refere ao time do capitão Luka Modric.
Quem já jogou xadrez ou ao menos teve a curiosidade de saber um pouco mais sobre o jogo, certamente deve ter a noção de como um enxadrista necessita se concentrar para estudar durante a partida as diversas possibilidades que as jogadas, suas e do adversário, podem se realizar no tabuleiro e tornarem-se decisivas para encurralar o Rei. No jogo de futebol, essa capacidade mental, a chamada leitura do jogo, também é uma qualidade quando jogadores e técnicos conseguem antever como cada jogada pode fragilizar a defesa, ou atrair o adversário para um contra-ataque. Para a maioria dos jogadores de uma seleção espera-se a presença deste diferencial, assim como grandes mestres, conseguindo aproveitar espaços para ataque ou ocupá-los no bloqueio do adversário. Essa qualidade exige inteligência e concentração. Esta última faltou ao Brasil nos minutos finais da prorrogação. Pelo lado direito da nossa defesa sofremos a descida sem marcação do jogador da Croácia que cruza livremente para o atacante que vem de frente e marca o gol de empate. É como um enxadrista que atraído por uma jogada do seu adversário lança sua Torre ao ataque e desguarnece a proteção ao Rei e toma um xeque-mate.
Devemos reconhecer que no futebol com a grande exigência física e as grandes extensões do campo, não é fácil para o jogador ter essa visão todo tempo. É o técnico que deve tê-la e corrigir os posicionamentos sem demora conforme a dinâmica do jogo. Tite não fez isso no momento mais crucial da partida. Não exerceu a função de um enxadrista que faltando poucos minutos para terminar a peleja procura manter sua vantagem. Alertar e orientar para tomar posições de bloqueio quando estava ganhando o jogo. Não é isso que se viu. Trocou Militão no intervalo da prorrogação, que estava atuando na lateral direita com mais qualidade de bloqueio, por Alex Sandro e deslocou Danilo para a direita. Foi nessa lateral que sofremos o contra-ataque, totalmente livre na jogada do gol croata, com o atacante cruzando sem marcação. Fomos surpreendidos sem tempo para reação.
Nos pênaltis Tite volta a não dar bola para o fator concentração, logo ele que tanto falava nas entrevistas sobre o atributo dos jogadores focarem no jogo. Parece que o professor não fez a lição de casa, logo agora, no mata-mata. Deixar para primeira batida um jovem jogador como Rodrigo, é no mínimo temerário. O poder de concentração é uma qualidade que se torna melhor com o tempo, com a experiência de jogo e das cobranças. Claro que há talentos que mesmo muito jovens superam esta máxima. Nada indica que Rodrigo seja o caso. Errar uma primeira batida traz mais um fator desestabilizador para a concentração dos próximos jogadores. A Croácia foi bem na primeira e seguiu na frente. Estar atrás nas penalidades é mais um fator, que torna mais difícil a superação se não temos a devida capacidade mental. Marquinhos também perdeu e demos adeus à Copa.
Novamente ficamos nas quartas de final tendo bons jogadores. Muitos deles estarão com idade para voltar em 2026. Espero que no próximo ciclo lembremos da lição do Xadrez da Croácia, levando em conta a importância de aliar talentos e preparo mental, mais um técnico que reúna as qualidades de um grande-mestre para orientar a equipe. Assim como no xadrez, jogadores e técnico necessitam ter alto grau de concentração o tempo todo, em cada minuto do jogo, até o apito final.