Lembro-me muito bem da Copa de 1970. Eu era um moleque de quase nove anos e, para assistir à competição, fiz uma estripulia. Nosso vizinho, seu Jerônimo – acho que era esse o nome, sei que ele era pai do Rolando, mas pode ser que não, que fosse pai do Marcelo –, enfim, esse senhor trabalhava numa loja de eletrodomésticos e um dia, voltando do trabalho, me encontrou à porta de casa e perguntou se minha mãe não iria comprar uma televisão. Não perdi a chance, disse que, de fato, ela havia pedido para eu passar lá na loja e encomendar uma, mas eu me esquecera. Era mentira, mas minha mãe aceitou a Telefunken valvulada e ainda não colorida. Nela vi toda aquela beleza, muitas das quais ainda guardo como se acontecessem agora: aquele chute do meio de campo do Pelé; aquele drible de corpo que ele dá no goleiro do Uruguai e que, por capricho, não se transforma em gol (cena que é o início do livro O drible, de Sérgio Rodrigues); o quarto gol contra a Itália; os lançamentos do Gérson.
Já a Copa de 1974 é mais confusa na minha cabeça. Sei que a disputa do terceiro lugar, jogada contra a Polônia, eu ouvi – exagero ao dizer isso, mas vá lá – dentro do Fusca de meu irmão, atravessando a Serra da Mantiqueira, entre Itamonte e Itatiaia, a caminho do Rio de Janeiro. De todo modo, no início da competição estava em Passos e, lá, enfeitei a rua com bandeirinhas coloridas, dessas de festa junina, colocadas entre a nossa casa e a da dona Jeta. Vesti as cadeiras com as camisetas dos clubes de futebol que eu tinha. Além das do Botafogo, o clube do meu coração, e do Cruzeiro, meu xodó em Minas, tinha outras tantas, pois meus amigos e eu formávamos muitos timinhos e, para isso, comprávamos jogos de camisa, o que exigia passar o chapéu pelas ruas da cidade. Internacional, Grêmio, Santos deram nome e escudo a nossos pequenos escretes, nos quais eu não brilhava, tremendo perna de pau que era.
Volto a ter memórias claras da Copa de 1978, na vizinha Argentina. Aquele gol de falta do Nelinho; o fim do jogo justamente quando a seleção ia bater um escanteio; o seis a zero da Argentina contra o Peru, resultado que, soube-se depois, foi manipulado; Ardiles, elegante cabeça de área argentino, jogando com a camisa número um, o que nunca mais vi na vida. Fora a chuva de papéis que caía sobre o gramado quando a dona da casa entrava em campo.
Eu tinha então entre dezesseis e dezessete anos e não morava mais em Passos. Vivia em Belo Horizonte, dividindo uma república com minhas duas irmãs, dois primos nossos e um casal de irmãos. É possível que tenha visto alguns jogos ali e outros em Passos. De todo jeito, quase sempre minhas irmãs estavam comigo. E foi nessa Copa que uma delas mostrou todo seu conhecimento futebolístico. O narrador caprichava em descrever as jogadas, e – não tanto quanto na época de Gérson, duas Copas antes – havia bolas lançadas à distância. Era então comum ouvirmos “longa para Zico”, “longa para Kempes”, “longa para Rensenbrink”. A competição já ia na terceira rodada, e a Paçoca finalmente não se aguentou.
Estávamos na sala, comendo uns amendoins, os mais velhos tomando cerveja, todos com os olhos grudados na TV, quando ela atirou a pergunta como um petardo do Rivelino: “Afinal, esse Longa joga em que time?”. Daí ao tiki-taka – esquema de toques curtos e recusa ao chutão, honra e glória do Barcelona e sua fanática torcida, os Culés – foi um pulo.
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Alexandre Brandão
Alexandre Brandão, contista, poeta e cronista, apesar de nascido em Minas Gerais, é botafoguense, time que ainda é aquele que mais craques cedeu à seleção masculina de futebol. Essa característica o impele a escrever de pernas tortas ou feito um furacão. Como muitos brasileiros, Alexandre está um pouco de mal do escrete canarinho, mas isso, apostam seus filhos e a torcida do Flamengo, não vai durar até o início do primeiro jogo. De toda forma, as seleções africanas, de Portugal e até a da Argentina estão, diga-se assim, de stand by para uma ocasional torcida.
Foto: Helena Brandão
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