Filé de ouro e outra bola na trave

No Rio de Janeiro, existe um restaurante chamado Filé de Ouro. Sempre imaginei que o nome indicasse produtos de alta qualidade, carnes saborosíssimas e de boa procedência, mas aprendo que existem filés ornamentados de ouro — não posso afirmar se o restaurante carioca prepara a iguaria, pois nunca estive lá. De fato, o ouro, passado sobre a carne como uma manteiga, serve ao mesmo tempo de enfeite e tempero. Não precisa ser inteligente para associar a iguaria a privilégio. Não é para o meu bico.

No entanto é para o bico de nossos jogadores da seleção. Uns não sei quantos, numa mesa comandada por Ronaldinho — o agora Gordo, depois de ter sido Fenômeno —, aparecem em um vídeo viralizado na internet. Estão encantados com o prato, que lhes é servido por um sujeito que faz uma performance para temperar, cortar e oferecer, na ponta da faca, pedaços a uns e outros. Como tudo na atualidade, isso virou treta. Alguns não veem problema na cena, afinal de contas os caras ganham um bom dinheiro, são jovens, não têm razão para abrir mão do prazer. Outros advogam o contrário: esses jovens, a maioria nascida em famílias pobres e até mesmo muito pobres, deveriam perceber que o momento não é propício a ostentações (parece que um bifinho daqueles custa uns oito mil reais), uma vez que o Brasil enfrenta uma crise social sem precedentes, contando uns trinta milhões de famintos. Entram na discussão os irônicos e, entre eles, os que se preocupam em saber se, na etapa final do processo digestivo, aquele ouro que entra no corpo pela boca sairá como moedinha.

Como faz falta alguém para aconselhar a turma a segurar a onda, divertir-se sem uma exposição excessiva. Não houvesse o vídeo, eles teriam feito a festa (no meu juízo, brega) e pronto. Porém, nesse mundo de selfies, redes sociais e não sei mais o quê, transformamo-nos em paparazzi de nós mesmos, portanto não basta festejar, é preciso mostrar-se.

O bafafá não impediu de o Brasil despachar a Coreia do Sul. Com gols de Vini Júnior, um dos comensais, Neymar, Richarlison e Paquetá, a seleção passeou em campo. A cada gol, uma dancinha; a cada dancinha, outra polêmica. Vini Júnior já vinha sendo criticado, nos jogos do Real Madri, pelo modo como comemora os gols, o que acabou em ataque racista (um processo movido por ele contra seus agressores parece ter sido interrompido na justiça, que não viu ofensa em ele ser chamado de “macaco”, além de não ficar claro quem era o responsável pelo que a justiça entende como “suposto” xingamento). Vini não deu o braço a torcer e continua dançando. Seus colegas, no Catar, fazem-lhe companhia. A crítica, que vê a comemoração como um desrespeito ao adversário, se espalhou para o time inteiro.

Assim a treta vai tirando o lugar do futebol. Se a do filé me mobiliza a marcar posição, a achar ostensiva a festa, a da dancinha me dá uma gastura sem fim. Como diz um dos narradores da Globo, eu quero é gritar gol e ver a rapaziada dançar.

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