É o que sempre digo: o jogo acontece dentro das quatro linhas, mesmo porque, com a bola fora delas, será preciso bater um lateral ou um escanteio. Se este é contra a gente, requer então uma boa reza, no caso, multirreligiosa, um pouco de ave-maria, outro pouco de tambor, além, é claro, de zagueiros altos e goleiro atento.
Respeitada essa ideia geral, como se fosse um corolário, troca-se passe com os aliados, mas sem menosprezar ou até mesmo desprezar o adversário. O que não se traduz em deixar de dar um chapéu, uma caneta, uma meia-lua, porém sem nunca apelar para o rabo de arraia ou o soco no baixo ventre do oponente.
Dito isso, é bola pra frente, às vezes pro lado e, se possível, vez nenhuma pra trás. Como diria Garrincha, isso exige, no mínimo, avisar aos joões do outro lado que eles não podem conter a molecada que desce passando a bola de pé em pé a caminho do gol.
De fato, não se deve contar com o aceite passivo dos adversários, haja vista que eles também querem tocar a bola de pé em pé até chegar ao gol, no caso o nosso. Sendo assim, dentro das quatro linhas, há muita disputa, e a bola pode não chegar a gol nenhum e, em momentos mais tensos, pode carimbar o peito de um atleta, do nosso time ou não, ou mesmo do juiz.
É ele que averigua se tudo corre dentro das tais quatro linhas. É ele também que pune os rabos de arraia fortuitos, embora não se incomode muito com os palavrões. A mãe de ninguém está poupada, mas, no mundo moderno, existem movimentos defendendo a criação de agressões que incluam o pai. Sabemos que o xingamento contra a mãe é sempre um disparate misógino e preconceituoso, assim que o palavrão contra o pai seja também uma espécie de vingança ou reparação histórica. Embora isso não faça parte do futebol stricto sensu, esse esporte não sobreviveria sem essas externalidades.
O gol acontece quando a bola entra naquele espaço que fica entre os três paus –que, lá no campo do Silvinho, eram três pedaços de bambu e, na rua, não eram três, mas dois, e não eram paus, e sim tijolo, pedra, chinelo, qualquer coisa parecida – e é motivo de muita gritaria da torcida e vibração de quem o marca. Alguns goleadores erguem os braços a um possível Deus (católico, islâmico ou de outras religiões que reservam o céu para a morada do Salvador), outros fazem movimentos que remetem a religiões africanas ou ligadas aos povos originários, mas existem aqueles que só querem pular e dar vazão à alegria. O juiz não deve inibir essas reações e tampouco dar ouvido ao que a torcida que levou o gol estiver fazendo. Normalmente estarão maldizendo a mãe da autoridade, e, se tudo der certo, com a revisão feminista em processo, em breve também (ou só) o pai. Não que as torcidas os queiram mal, é só parte da coreografia. Bola pra frente, juiz, quer dizer, para o meio de campo. Depois do gol, tudo reinicia.
Para fechar essa lição introdutória, deve-se ter em mente que cada time veste a sua camisa. Na Copa, a do Brasil é a tradicional amarela, mas, sei lá, este ano bem poderia ser a azul. Ou a branca. Vermelha não, isso não, deixa pros belgas. Ou pros juízes.
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Alexandre Brandão
Alexandre Brandão, contista, poeta e cronista, apesar de nascido em Minas Gerais, é botafoguense, time que ainda é aquele que mais craques cedeu à seleção masculina de futebol. Essa característica o impele a escrever de pernas tortas ou feito um furacão. Como muitos brasileiros, Alexandre está um pouco de mal do escrete canarinho, mas isso, apostam seus filhos e a torcida do Flamengo, não vai durar até o início do primeiro jogo. De toda forma, as seleções africanas, de Portugal e até a da Argentina estão, diga-se assim, de stand by para uma ocasional torcida.
Foto: Helena Brandão
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