A bola vem voando e cai no peito do jogador. O narrador descreve que fulano matou a bola no peito. Tamanha sandice. Houvesse matado, o jogo seria interrompido. Lá nas peladas da minha rua, ele teria acabado, pois não tínhamos uma segunda para substituir a primeira em caso de morte ou, o que de fato ocorria, furo. Ah, meus amigos, sou do tempo da bola de capotão, couro grosso por fora, câmera de ar com muitos remendos por dentro, uma tranqueira só.
Não se pode falar que alguém, normalmente um craque, já que pernas de pau não fazem uma jogada dessas, matou a bola. Esteta do esporte não é assassino. Então, é preciso achar uma alternativa. Primeira opção, amorteceu. Hora, amortecer é da esfera automobilística. Aconchegou. Exagero, poético demais, ninguém se aconchega a nada faz pra lá de um século, não será a pelota a ter esse privilégio. Deixo uma ideia a ser mais bem discutida: a bola tocou no coração do atleta. Um horror, já me arrependi. Vocês encontrem uma solução, por favor.
Imagino que dar um elástico, criação de Rivelino, esteja ligado ao possível desenho que a bola faz entre os pés do driblador e do driblado. Mas, veja bem, onde há elástico hoje em dia? Um jovem, por exemplo, não sabe o que é elástico, nunca viu um. Sem contar que isso exige um exercício de abstração, uma raridade em tempos de pós-verdade. Entre os dribles, a meia lua não deve mudar de nome, pois qualquer um o entende. Assim como entende o chapéu, ainda que exista também o lençol, que é um quase chapéu, mas dele se diferencia porque a bola não cobre a cabeça do driblado, passando pela altura do ombro. Muita precisão para falar sobre o drible, que, de forma improvisada e exata, é um esculacho no rigor tático. Melhor seguir adiante.
Córner, escanteio e tiro de canto significam a mesma coisa. Para que esse excesso? Sei que a riqueza vocabular é uma qualidade em si, mas, no caso do futebol, é preciso facilitar a comunicação. Gosto muito de tiro de canto, mas melhor fechar questão em escanteio, fugindo do estrangeirismo indisfarçável de córner.
Por falar nisso, ao contrário do mundo dos negócios — no qual, por exemplo, equipe metida em escritório virou time, porque em inglês se fala “our team” —, o futebol aportuguesou tudo em torno de si. Ainda me lembro de meus tios dizendo — e quase quebrando o queixo pelo esforço — que Piazza era um atleta versátil, pois jogava, na seleção de 1970, de quarterback e, no Cruzeiro, de defensive midfielder. Hoje, seria, como são todos que jogam nas posições, quarto-zagueiro e volante, um trem bem brasileiro. Nesse aspecto, o futebol tem sido uma peça de resistência. Só espero que uma palavra tão em voga hoje em dia não ponha tudo a perder. Não estou preparado para ouvir que Tite, Mano Menezes ou quem quer que seja passe a ser chamado de coach. Isso não.
Para não causar atrito em área em que, com alguns problemas, tudo anda bem, melhor deixar como está. Se um jovem não entende o que é elástico, ele que consulte o Google. E se a bola morre e renasce, é porque ela morre no peito e renasce nos pés de um deus.
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Alexandre Brandão
Alexandre Brandão, contista, poeta e cronista, apesar de nascido em Minas Gerais, é botafoguense, time que ainda é aquele que mais craques cedeu à seleção masculina de futebol. Essa característica o impele a escrever de pernas tortas ou feito um furacão. Como muitos brasileiros, Alexandre está um pouco de mal do escrete canarinho, mas isso, apostam seus filhos e a torcida do Flamengo, não vai durar até o início do primeiro jogo. De toda forma, as seleções africanas, de Portugal e até a da Argentina estão, diga-se assim, de stand by para uma ocasional torcida.
Foto: Helena Brandão
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