O Brasil realmente não está bem. Como é possível uma sociedade conservadora, cultuadora do atraso, não sair às ruas protestar ou mesmo pagar para fechar as estradas – sempre pagam alguém para fazer o serviço.
Não teve motociata, abraço à sede de CBF, e muito menos, durante à noite, com as lanternas de celulares, não houve qualquer tentativa de cifrar uma mensagem de luz para que alguém no universo pudesse intervir.
Destaco tudo isso por conta de um jogo em particular da copa do mundo do Catar. Não escrevo por querer ser desrespeitoso. É totalmente constitucional, no Brasil, reivindicar um golpe militar e a implantação de uma ditadura.
O jogo que colocou nossa hegemonia do atraso em risco foi o 6 a 2 que o Irã levou da Inglaterra. Quase, na verdade por muito pouco, não perdemos o troféu de maior placar adverso em uma copa do mundo depois que entramos no século XXI.*
Manter essa conquista é muito importante, principalmente superando um país como o Irã. Vejam, lá tem tudo o que se sonha aqui: há restrição de liberdade civil, tem ditadura, as mulheres são violentamente desrespeitadas em suas vontades, direitos e ainda são consideradas inferiores, a homossexualidade é crime, a sociedade é absolutamente patriarcal e machista, a religião é única e imposta, colocada acima de tudo e todos.
Por isso e mais um pouco, é possível perceber a importância de vencermos, indiretamente, o Irã. Superamos um país que já alcançou nossas metas. Um exemplo de pátria defensora ferrenha dos valores conservadores tradicionais.
Logicamente, devemos agradecer a Inglaterra e seus bravos jogadores, defensores do Palácio de Buckingham, da monarquia liberal, aristocrática…
Pensando bem, não foi nada de mais, a Inglaterra não fez mais que a obrigação: retribuir as condolências que pessoalmente prestou nosso presidente, interrompendo a campanha presidencial, quando da morte da rainha Elizabeth II.
Mas um leitor – não eleitor-, mais atento poderia me criticar dizendo que não há nexo entre o alarme exagerado do começo da crônica e o resultado do jogo, tendo em vista que o jogo do Irã contra a Inglaterra já acabou, e nós mantivemos o nosso troféu, se esse fosse o caso.
Eu tenderia a concordar com o leitor, caso eu estivesse escrevendo o texto para ele. Como estou escrevendo para o eleitor – não leitor -, tudo pode fazer sentido, basta que se estabeleça uma narrativa distópica coerente (sic).
E onde estaria está dita coerência distópica – se é possível conceber esse paradoxo?
Está escancarada, só não vê quem não quer ver como os outros querem que você veja.
Como aconteceu aqui no Brasil há dois anos. É preciso alertar com antecedência a FIFA. É importante deixar bem claro que não vamos aceitar, em hipótese alguma, um resultado adverso, mesmo que o VAR (por coincidência, parente muito próximo das nossas urnas eletrônicas) venha a validar gols para qualquer seleção que ouse ameaçar a nossa soberania.
Nos bastidores já se sabe que tem contratada, pelas nobres, tradicionais e conservadoras famílias nacionais, as auditorias que invalidarão quaisquer outros resultados que não o que mantenha nossa posição no cenário internacional.**
Deus é brasileiro, já diz o ditado alardeado há muito tempo. Se Ele é acima de todos, o 7 a 1 é nosso, e ponto final.
*O resultado do jogo Alemanha 8 a 0 na Arábia Saudita em 2002, está sendo contestado e invalidado devido ao fato de não existir VAR na época.
**Os gols da Espanha, apenas no segundo tempo, na vitória hoje por 7 a 0 contra Costa Rica, estão sendo contestados e invalidados devido a desconfiança de que o VAR não é confiável, pois não é auditável.