Desde que me conheço por gente sou um colecionador. A minha primeira coleção foi de tampinhas de refrigerante. Sim, a Coca-Cola lançou uma coleção fantástica, em que a parte de dentro da tampinha era uma foto colorida de um jogador de futebol. Lembro como se fosse ontem, a minha alegria quando o garçom, depois de um pedido desesperado para ele abrir minha garrafa sem entortar a tampinha, ver surgir a pequena foto, de ninguém mais ninguém menos, do que o craque Zico, usando a camisa da seleção brasileira.
Além de colecioná-las, eu e meus amigos as usávamos para fazer o tradicional jogo de futebol com três tampinhas que se movimentavam cruzando-se entre si, impulsionadas por um peteleco, ou empurrão com o indicador em formato de bico de taco de golfe. O destino era chegar e chutar em direção ao gol adversário, feito com os dedos entrelaçados e as mãos invertidas, formando um gol com os polegares e o goleiro sendo um dos indicadores.
Guardava as minhas tampinhas em uma lata de Neston (deem um google quem é mais novo). Sinto muito em não saber onde elas foram parar. Cometi um erro crasso para qualquer colecionador: nunca se descuide de nenhuma de suas coleções. Um colecionador de verdade precisa se assumir acumulador, e mais, precisa zelar por todas elas, sem querer atribuir valor, dizendo que uma é mais especial que a outra.
Ao longo da vida aprendi isso, por isso, tenho outra coleção relacionada ao futebol que guardo até hoje a sete chaves: Futebol Cards. Tanto que meus filhos só têm autorização para vê-la com supervisão e depois de passarem pelo detector de qualquer objeto que possa danificá-las. Não me arrisco. Não sei muito sobre o grau de ativismo deles, ou mesmo se seguem a Greta Thumberg e sua turma, podendo passar pela cabeça deles que minha coleção de cards possa ser valiosa.
O futebol cards foi, sempre sombra de dúvidas, por mais que parece clichês, a maior e melhor de todas as invenções que referenciam o futebol. Primeiro por ser cards grandes, de papel cartão, embalados juntos com uma tira fina de chicletes. Posso ainda lembrar de abrir os envelopes que vinham com três cards cada e exalavam o cheiro característico de tutti-frutti, que permanecem com destaque na minha memória olfativa.
Depois esses cards na frente estampavam a foto de jogadores, em formato de retrato, vestindo o uniforme de seus clubes. Mas no verso dos cards é que a coisa ficava mais interessante. Num primeiro plano eram destacados os dados básicos, como nome, data e local de nascimento, peso, altura… O nome do doutor Sócrates quase ocupava todo o verso do card.
Ainda no verso, num segundo bloco, era destinado há um pequeno texto contando sobre curiosidades sobre a vida dos jogadores. Seus pratos prediletos, o que mais gostava de fazer, de ouvir, seus hobbies…
Depois da fase dos cards, vieram com toda força as figurinhas de chicletes, futebol de botão, pôsteres de times de futebol, revista Placar (hoje é para destacar o Pla… apenas do futebol – os meninos da minha geração entenderam), recorte de fotos de goleiros… Ainda hoje, uma foto de goleiro me hipnotiza.
Mas o tempo foi passando, e a vontade colecionar as coisas não. Assumo-me um colecionador. Não posso ver por exemplo nada em que está estampado o número um, dando a entender que terá o dois, o três… Quando vejo o lançamento da parte 1, antes de adquirir já estou ansioso pela parte 2. Isso acontece com revistas, livros, filmes… ou qualquer outra coisa possível de ser colecionável.
Mas, antes que eu continue e queira falar mais de minhas coleções, especialmente as de futebol (que por sinal são muitas), uma verdade sobre os verdadeiros colecionadores precisa ser dita: não se faz coleções para se exibir, expor em salão de arte, ou mesmo para apresentar e se gabar perante os amigos. Quem coleciona por isso pensa na recompensa, pensa em se capitalizar de algum modo, logo coleciona como negócio. Eu sou de outro tipo. Tipo colecionador raiz e passional, que fica sempre com peso na consciência por saber que não tem dinheiro sobrando, mas não resiste e compra o volume dois…
Coleciono por desejo (devir-coleção). Evidentemente, esse tipo de colecionador que sou sempre gasta muito mais do que tem – nunca acumulará dinheiro, apenas objetos. Mas, contando bem baixinho para quem quiser ler: isso dá uma satisfação danada de boa. Amo todas as minhas coleções, elas representam minhas memórias, meus afetos alegres, amplificando em muito a minha potência de agir.
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Alcides Scaglia
Como a maioria dos meninos brasileiros, sonhou em ser jogador de futebol. Correu tanto atrás do sonho e da bola que alcançou seu objetivo. Mas acordou, ou melhor, foi acordado. Fez faculdade, mestrado, doutorado, se tornou livre-docente, professor e pesquisador da UNICAMP... contudo quando dorme quer continuar o sonho. O mundo real não deixa voltar, logo escreve, tentando encontrar um outro caminho para voltar ao jogo, à terra do sonho, onde a bola, as luvas, a grama, ditavam a dimensão do sentido.
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