Seu olhar atravessa a vidraça e aterriza na copa de uma árvore do pátio. Seus ouvidos atravessam minha voz de professora e atentam para a Copa acontecendo nos pés de um ou outro jogador, que atenta quase que exclusivamente para a bola, sem dar atenção à voz do juiz.
Não importa tanto o jogador ou a cor de sua camisa. Se ele coloca a redondinha pra girar, o Brasil para pra lhe ver passar. E é fácil notar que enquanto a bola gira tudo gira em torno dela – olhos, corpo, mundo… Mas será? O mundo continua girando em órbitas paralelas, alguns olhos ainda giram até achar copas de árvores para pousar, outros – como os meus de professora em sala de aula – giram controladores em torno dos alunos até aterrizar nessa aluna com olhos e ouvidos em copas. Peço que desligue o celular e aterrize de volta na sala de aula. (Não é aterrisse, com dois ésses, professora?) Mas é a Copa, pro! Tento argumentar que nem é jogo do Brasil, que ela precisa fazer a atividade, sair da internet pra se concentrar. Não é internet, pro, é rádio! E eu tô ouvindo mas tô fazendo a lição!
A palavra rádio me seduz tanto que quase não consigo disfarçar a vontade de sentar pra ouvir com ela o jogo. Como quando eu era criança e sentava com meu pai, ouvidos bem abertos, o rosto da foto do álbum de figurinhas ganhando movimento, emoção a cada drible, visão muito mais perfeita da jogada do que a que hoje costumo ter pela tv. É, a gente se acostuma com imagem pronta e não percebe que passa a ver tão pouco.
Quem está jogando? Pergunto e entrego meu jogo. Não posso mais com isso de driblar essa paixão tão genuína da garota que um dia fui eu. Aterrizo professora e dou asas à menina.
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Esther Alcântara
Poeta em essência, também escreve crônicas e letras de música. Nasceu em Monte Aprazível (SP) e há muito vive na capital paulista. Especialista em Língua Portuguesa, atua como editora, preparadora e revisora de textos, além de produzir conteúdo para livros didáticos; eventualmente também é professora. Apaixonada por livros, dedica-se ainda à encadernação artística. Entre suas produções estão o livro de artista Raízes, exposto na Biblioteca Mário de Andrade em 2015, e o minilivro de poemas Vinte poemas para serem lidos com lupa, lançado na Feira Miolo 2016. Seus poemas passeiam por saraus paulistanos, antologias, revistas e sites. Em 2017 publicou Piracema, livro de poemas, e fundou a Carpe Librum Editora. No momento organiza o Sarau Vosz, um novo projeto na periferia de São Paulo. Para Esther, poesia está sempre na pauta do dia.
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