Minha relação com o futebol é antiga: não havia felicidade maior do que sair à rua em debandada para me juntar aos outros moleques no asfalto riscado com tijolos vermelhos, que roubávamos em uma olaria. A bola era de capotão e as traves eram improvisadas com pedras ou chinelos colocados sobre o chão.
O primeiro gol que marquei foi em uma pelada durante o recreio no grupo escolar (assim eram chamadas as escolas públicas construídas para crianças pobres naqueles tristes anos de ditadura militar). O nosso time perdia por um placar elástico: 6×0 ou coisa assim. Em meio ao amontoado de garotos que suavam feito pombos, uma bola sobrou solitária sobre a linha imaginária demarcada no pátio. Silêncio ao redor. Respirei fundo e chutei forte. Chutei como nunca havia chutado e um segundo depois a mágica se fez.
Eu corria como um desgraçado a bramir o meu gol mas ninguém ligava, nem mesmo meu time, pois aquilo era voo de galinha, valia nada diante do placar. O sinal bateu e voltamos todos para a sala de aula como um rebanho, unidos agora em uma cumplicidade precária contra os professores, a minha euforia esmagada em meio à lenga-lenga das aulas de educação moral e cívica que nos impunham.
O primeiro gol que sofri foi jogando pelo juvenil do Palmeiras. Eu era goleiro (reserva do reserva) e aguardava uma chance de pisar no gramado. Nos quinze minutos finais, o Palmeiras ganhava de 5×0 e fiz minha desastrosa estreia. Nunca usara chuteiras e não sabia bater um tiro de meta. Resultado: dei um chute tão fraco que a bola bateu nas costas do atacante adversário – e bastou que ele se virasse para marcar o gol. E a situação se repetiu mais uma vez: o chute chinfrim, a bola resvalando no atacante e outro gol. Mais alguns minutos e a vitória estaria comprometida por absoluta culpa… das chuteiras.
Foi um duro golpe e durante um longo período essa nuvem pairou sobre mim. Mas era apenas uma sombra agourenta, quase nada diante do eclipse que encobria o horizonte do país e que eu ainda não compreendia.
Mas disso falo na próxima crônica, que esse segundo tempo de Argentina e Islândia está fervendo como lava de vulcão! O duelo entre os hermanos (que esta semana avançaram nos direitos civis) e os descendentes dos vikings (que investem pesado em escolinhas de futebol) é belíssimo! Como um gladiador aposentado, Diego Maradona fuma um Havana tranquíííllo na galeria superior do estádio Spartak. Mas incrivelmente Leonel Messi perde um pênalti em Moscou.
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Ovídio Poli Júnior
Ovídio Poli Junior é graduado em Filosofia e doutor em Literatura Brasileira pela USP. Foi finalista no Prêmio Guimarães Rosa/RFI (Paris) e teve destaque em concursos e prêmios literários brasileiros: Paranavaí, Paulo Leminski, Luiz Vilela, FLIPORTO, Unicamp 40 anos e Newton Sampaio. Publicou O caso do cavalo probo (novela satírica), Sobre homens & bestas (contos), A rebelião dos peixes (infantojuvenil) e Na varanda: artigos e ensaios de crítica literária. É editor do Selo Off Flip e curador do Prêmio Off Flip de Literatura. Ministra oficinas de criação, cursos e palestras na área de literatura.
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