As crianças estão alvoroçadas com a Copa. As meninas criam penteados diferentes e pintam o rosto com criatividade. Os meninos que estavam faltando voltaram a tempo de recuperar o sonho. A criançada substituiu as camisetas habituais pela amarelinha, sem temer mal-entendido.
Aproximo-me da roda de conversa inicial da Sub-9. Um dos garotos olha pra mim e dispara:
– Oi, aposentado!
– Oi?
– Você tem cara de aposentado igual a do meu tio.
– Mesmo? – moleque esquisito, pensei, mas não disse.
Saio dali para as demais quadras. Há uma atmosfera diferente no ar. Vejo uma vontade maior de jogar, como se em outro lugar estivessem. Ouço os nomes dos craques do momento: brasileiro, argentino, polonês, português, francês. É a Copa. Sei como é. Não tenho nenhuma memória da de 1974, quando tinha cinco anos, mas muitas da de 1978. Quatro anos de diferença nessa fase da vida parecem quatro décadas.
No jogo de estreia contra a Suécia, quando estava 1×1, Nelinho, com a camisa 13, bateu o último escanteio do jogo e fizemos o segundo gol. Todos comemoramos. Mas o juiz o invalidou! Segundo ele, Nelinho demorou pra cobrar. O quê??? Não demorou! Ele arrumava a bola. Craque é assim. Não é bater na bola em qualquer lugar. Tem de ser no lugar certo, que só ele e a bola sabem. Tanto que ele a beijou antes, o que é, ao mesmo tempo, uma ato de amor e um ensinamento. Foi por causa desse ritual, desse zelo, dessa intimidade, que a bola encontrou a cabeça de Zico, que jogava com a 8 em time que Rivellino vestia a 10.
Não fosse o juiz um desalmado, um sangue-frio, um coió, ele teria encerrado o jogo, nem antes de o craque bater, mas antes mesmo de ser escanteio, porque se se constatar escanteio, este tem de ser batido. É uma questão moral. Sendo assim, ele não tinha o direito de, em permitindo a cobrança, encerrar o jogo. Ora, ele não tinha o direito de encher um país de esperança. De permitir que todos nós prendêssemos a respiração e saíssemos da apineia para gritar goooooool como quem saiu de um afogamento. O que mais me indigna é ele ter encerrado o jogo com a bola no ar! Ora, quanto tempo leva uma bola que sai do escanteio até a área chutada pelo Nelinho? No chronos, poucos segundos, mas no kairós para sempre. Talvez, se o juiz tivesse de levar o apito à boca nem desse tempo de ele encerrar o jogo com a bola no ar! Então estaria ele com o apito já na boca? Se sim, ele premeditou o golpe, o que aumenta a sua periculosidade, o que faz dele um mau sujeito, um juiz do mal, o que é muito mais do que um mau juiz. É um juiz pra não chamar de Seo.
Volto à quadra e as crianças continuam suspendendo a realidade. O guri agora está no gol, com um par de luvas tão grande, que deve pertencer ao tio aposentado.
– E aí, tio, qual é o teu nome mesmo?
– Wilton.
– O quê? Humilde?
– Não! Wilton.
– Ah, Wilson.