UMA PAIXÃO CHAMADA WANDA
Só quem tem os olhos vendados não vê a propaganda que ronda os estádios da Copa. Como não tenho olhos vendidos e não entendo nada de renmimbi ou yuan, dinheiro chinês, não pretendo engrossar a conta do conglomerado Wanda, que anuncia sua marca na beirada dos gramados. Este texto vai wandar por outras paragens.
Toda vez que leio o nome Wanda, penso é em minha irmã mais velha, lá no alto de seus 87 anos de idade, torcendo fervorosamente para o Brasil. Aliás, nos dias 2 e 30 de outubro ela compareceu às urnas e deu seu wonderful voto ao futuro Presidente do Brasil. Porém, minha história com ela vem de há muito tempo: ela foi minha primeira professora, me ensinou a ler e a escrever. E, como no poema de Cecília Meireles, pôs o meu sonho num navio e o navio no meio do mar, depois abriu o mar com as mãos, mas meu sonho não naufragou: navegou na caravela do Vasco da Gama, pois Wanda foi a primeira vascaína da família: era fã do capitão Bellini, na Copa de 58. E, ao longo do tempo, sofremos e vibramos juntos pelo Vasco e pela Seleção Brasileira.
E se falo em mar, não posso deixar de evocar o filme de Charles Crichton, aquela excelente comédia chamada Um peixe chamado Wanda. Ali apareciam os grandes atores John Cleese e Kevin Kline, contracenando com a personagem Wanda, Jamie Lee Curtis, a filha de Tony Curtis, ator dos bons tempos de minha cinéfila irmã Wanda, mas que curtia muito era Dirk Bogarde. Se ri muito desse filme, satisfeito fiquei com a vitória brasileira contra a Sérvia, principalmente com o golaço feito pelo Richarlison. Dizem as boas línguas que ele é bom rapaz e crê na força da camisa amarela a favor de boas causas sociais, nada alienantes.
E muito satisfeito fiquei ao receber a foto de minha irmã primogênita, viúva do bom violonista José Vicente Alckmin e, mesmo depois de ter perdido a filha poeta Lílian, continua a viver com paixão, a ler e a torcer, e a se regozijar com vitória da seleção canarinha. Tenho de confessar que, sem suas lições, jamais teria condições de continuar a ser vascaíno e a ler Machado de Assis, Érico Verissimo, Guimarães Rosa e agora torno a acompanhar as andanças do fugitivo José de Arimateia no Chapadão do Bugre, de Mário Palmério. E Wanda também foi minha professora de Francês, no ginásio de Cruzília, e a partir daí avancei nos livros franceses, lendo Petit Prince e Madame Bovary.
Ela me ensinou a ler e a torcer; teceu esperanças… Na Copa de 58, ao me dar uma camisa da seleção, errou feio na profecia, dizendo que eu estaria em campo com a seleção de 1970: nunca fui bom de bola, mas nessa Copa, torci com a força de meus vinte anos. Wanda, fã de Bellini, ergueu a taça da ambrosia, que me aproxima dos deuses da literatura e do futebol.