Há cinco meses o meu neto de seis anos não sabia muito bem o que era e nem dava a mínima para o futebol, apesar da insistência do seu avô, palmeirense, que teimava em lhe apresentar o esporte em toda sua complexidade.
As regras, os times, as modalidades, tudo muito confuso, principalmente no que tange aos campeonatos e suas taças. Como explicar ao garoto que o campeão do Brasileirão, Palmeiras, não é o mesmo campeão do Brasileirão série B que foi vencido pelo Cruzeiro? Que apesar de ser uma contenda entre times do Brasil, Brasileirão não é a Copa do Brasil cuja taça ficou com o Flamengo? Como explicar que Libertadores é uma competição entre times das Américas e está longe de ser a Copa Sul Americana?
– Vovô quer dizer que o Palmeiras é o maior campeão do Brasil porque foi onze vezes campeão brasileiro e o Brasil é o maior campeão do mundo porque foi cinco vezes campeão, então o Palmeiras é o maior campeão do mundo. Inocente!
Mesmo com toda sedução ele mostrava dúvida quanto aquele que seria o time do coração.
No colégio, o futebol ainda não era o esporte da vez nas aulas de educação física. Um ou outro amiguinho, com um pai mais fanático que o seu, já demonstrava alguma paixão pela camisa do seu time. Para o Gu o uniforme de jogador era uma fantasia que ele mudava com a mesma facilidade com que trocava de torcida, para desgosto do vovô que apostava no Palestra.
Eis que, de repente, lhe cai às mãos o Álbum de Figurinhas da Copa do Mundo 2022, Catar, e isso entra em sua vida com o ímpeto de uma avalanche. Gustavo foi contaminado pela febre delirante do futebol do mundo. Em pouco tempo ele já era íntimo dos times, de seus craques e de suas bandeiras. Na escola, meninos e meninas, nos intervalos das aulas, exibiam suas figurinhas, trocavam as repetidas, batiam bafo. Consegui o Cristiano Ronaldo, gritava um; eu o Neymar, dizia outro; meu pai trocou a do Messi, e os nomes ecoavam: Richarlison, Vini Jr., Lewandowski, Benzema, Mbappé e muitos outros. Além das figurinhas raras, difíceis de serem encontradas, havia as legends em suas versões ouro, prata e bronze, as mais desejadas, um quase impossível, uma fissura que podia valer muito dinheiro no mercado paralelo ou para os que tivesse a sorte de pegá-las ou pagá-las.
E foi assim que o meu pequeno e ingênuo de seis anos de idade cresceu de um tanto que me impressionou. Ele sabia sobre cada time, suas estórias e desempenhos, suas bandeiras, seus continentes, a participação de cada time em algumas copas, os estreantes, os desclassificados, os mais cotados e mais, e mais e mais. Tudo isso aprendido num piscar de olhos com yotubers, mídias sociais e com todos os brasileiros, fanáticos, ou não, por futebol.
Mas, para além disso, o que me deixou avó orgulhosa, de peito cheio, o que me fez olhar com mais carinho para toda essa loucura entusiasmada foi o diálogo que tivemos pouco antes do segundo turno das eleições presidenciais. Eu folheava o seu álbum enquanto Gustavo flanava uma pequena bandeira do Brasil, herança da copa de 2018.
– Vovó, o Neymar disse umas bobagens, você viu?
– Sobre o que?
– As eleições. Ele fez dancinha e arminha.
– Hum.
– Não gostei, acho que não gosto mais dele.
– Ele é um bom jogador, mas também não gostei do que ele falou.
– Vovó, nunca mais vou poder abanar a bandeira do Brasil?
– Claro que sim, por que está dizendo isso?
– Porque eu torço para o Lula ganhar, não quero que pensem que sou Bolsonaro.
– Meu querido essa bandeira é nossa, é do Brasil, ela foi indevidamente apropriada, mas voltará às mãos de todos os brasileiros assim que terminar as eleições.