Vazio existencial

Depois de fracassar em duas Copas e não ter sido eleito o melhor jogador do mundo em dez edições possíveis, Fefeu entraria na sua terceira Copa sem saber quanto vale a sua marca, o que muito o angustiava. Naquela noite, por exemplo, sonhara que seu colega de equipe, M., fora chamado para protagonizar uma campanha mundial de um desodorante-que-não-é-bom, subindo para 25 parceiros, um na sua frente. Isso fez com que ele acordasse ofegante e suado, como um pintinho assustado que foge, pela primeira vez, de um gato esfomeado. Mal podia esperar pela manhã quando se encontraria com o seu pai-empresário-boçal-coió-picareta.

– Alguma novidade?
– Não. A última estimativa continua a do mês de agosto.
– Não é possível! Ainda acham que valho 600 milhões de dólares? É inacreditável! Por que isso?
– Filho, eu acho que aquela segunda acusação de agressão sexual está pesando.
– Ainda isso?
– Acho que sim.
– Mas eu só…
– Eu sei.
– Eu só…
– O pior disso tudo é que perdemos o patrocínio da Swoosh.
– Eu só…
– Eu sei!

O fato é que a Copa se aproximava e a ansiedade aumentava. Entrar em campo sem um valor de marca maior seria insustentável para o seu ego. E aí é aquele ciclo: se não for lambido-ego baixo- rendimento à deriva-críticas-vazio. Ele não sabia, mas ainda naquele dia estouraria outra “bomba”.

– Filho, tenho uma notícia para te dar.
– Saiu uma nova estimativa?
– Não.
– Retiraram a acusação?
– Não, filho.
– O que foi, então?
– Foi alterada a lista dos jogadores mais valorizados do mundo.
– Sério? – os olhos de Fefeu vibraram como aquelas máquinas de cassino caça-níqueis que só conhecem os que podem jogar dinheiro fora em cassinos.
– Você não é mais Top 5.
– Sou o number one! – Fefeu vibrou, mas o pai entendeu como uma pergunta.
– Não, é o sexto.

A cabeça de Fefeu deu um looping de 360 graus, seus olhos reviraram-se, os joelhos estremeceram e ele perdeu o equilíbrio. Mas recuperou-se antes de se esborrachar no chão, feito uma pamonha mole verde oliva-amarela-patriótica.

– Como pôde acontecer? Além de desvalorizarem a minha marca, também desandaram o meu valor de mercado?! O que é isso? Um complô? Uma conspiração socialista?
– Sei que é difícil, filho. Mas você ainda está entre os dez.
– Entre os dez, pai? Eu teria de ser o primeiro! Alías, quem é o primeiro?
– É o mesmo.
– Qual a diferença entre nós?
– Ele ganhou uma Copa como protagonista.
– Não, pai? A diferença de valor?
– Ah, é de…
– Não fale! Não quero saber!

Fefeu sabia por dentro, mas não assumia por fora, o seu ciúme de M. que, mais jovem, conquistara uma Copa e era o jogador mais valioso do mundo.

– O que podemos fazer, pai?
– Filho, nem tudo é ruim. Lembre-se de que nos livramos da acusação de sonegação fiscal na Iberia e ainda podemos fechar com aquela cerveja-aguada-de arroz-quenuncaéaprimeiraopçãodequemsabetomarcerveja.

Pouca coisa animava Fefeu e o pai sentia muito pelo seu sofrimento. Pensou em chamar os “parças”, mas poderia dar mais merda. Vendo a situação, sua baixa auto-estima, a vaca indo para o brejo, o leite derramando, a casa caindo, o celeiro pegando fogo, o caldo entornando, sugeriu:

– Por que você não faz uma dancinha nova no Kit-Kot? – o pai sabia que novos seguidores encheriam o vazio existencial de Fefeu por alguns poucos segundos.

Fefeu pensou muito e decidiu por um ato cívico, cidadão, patriota verde oliva-amarelo: uma dancinha que apoiasse o candidato à reeleição na Pindorama, também conhecida como Terra dos Papagaios.

Eu conto ou você conta?

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