As lágrimas de Thiago

Há oito anos atrás, Thiago chorou e foi crucificado. Tudo por expressar sua emoção em uma catarse pouco comum para os padrões masculinos. Thiago nos permitiu assistir ao vivo um choro humanizador e foi desprezado pela maioria. Até aí nenhuma surpresa. Inédito seria a exaltação da sua sensibilidade masculina.
Buscando registros antigos encontrei apenas um texto, do jornalista Adão Júnior, valorizando essas lágrimas. Adão argumentou que Thiago, menino negro que se tornou um jogador consagrado e aos 38 anos está indo pra sua quarta Copa, “foi praticamente abandonado pelo pai biológico com menos de sete anos, conviveu com a falta de condições financeiras na infância, recebeu um não atrás do outro na busca do sonho de ser um jogador de futebol, enfrentou a saudade da família no início da carreira profissional e superou duas graves doenças, a dengue e a tuberculose”. Mas não vou tomar isso como parâmetro, já que precisamos melhorar muito como sociedade para compreender essa realidade e naturalizar o choro masculino.
Thiago foi julgado por falta de ética, como se suas lágrimas fossem inadequadas para aquele momento, pois feriu a norma do que se é esperado de um macho num “jogo de homens” e por isso muitas pessoas defendem que Thiago não merecia estar na seleção brasileira, ainda mais como capitão.
Então, partindo desse julgamento moral, baseado na suposta falta de ética, que vem do grego “ethos” e significa “caráter”, quero refletir o seguinte: Se a ética fosse de fato um pré-requisito para um jogador estar em uma Copa do Mundo, quem poderia ser convocado na seleção? E em outras seleções?
Jogador com histórico de abuso e agressão contra mulheres poderiam jogar uma Copa? E os jogadores que devem ou resistem em pagar pensão alimentícia? E os que sonegam impostos, como ficam? Isso pra citar apenas os casos considerados como atitudes imorais ou criminosas.
Pensando bem, se seguirmos pela ética como pré-requisito, nem Copa deveria existir. E nem digo pelos casos explícitos de corrupção, exploração do trabalho, assédio e resultados polêmicos que envolvem as entidades que participam e organizam essa competição, mas digo pela nossa presença em campo, pois é bem verdade que todo homem hétero-cis, só pelo fato de existir, já é privilegiado em uma série de situações que condenam as mulheres a desigualdade, a inferiorização e ao feminicídio.
Todas as vezes que crucificamos o choro de Thiago, nos comprometemos em manter essa face falocêntrica do futebol a partir daquela máxima degradante que diz: “homem de verdade não chora”.
Em contraponto, permitir o choro de Thiago, assim como o choro de qualquer homem, nos dá a oportunidade de restaurar algumas feridas emocionais, pois como escreveu Jeferson Tenório, no prefácio do livro “Homens pretos (não) choram” de Stefano Volp, “o pranto é a consagração dos que se arriscam a enfrentar os próprios infernos”.
Por isso, desejo que nessa Copa (e depois dela) Thiago, os outros jogadores e nós homens possamos chorar sem constrangimentos e que esse choro sirva para nos dar a esperança de dissolver o machismo cristalizado em nós, transformando tudo aquilo que violenta e sufoca o mundo da bola e a nossa existência.

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