A melhor maneira de crescer é se engajar na busca
(Marcelo Gleiser)
Dois momentos me oferecem inspiração para escrever este texto. No primeiro, eu estava nas nuvens literalmente. Uma foto da jogadora Formiga, pelas lentes de Tomás Arthuzzi, impunha tamanha beleza à capa da revista Gol Nº 207 que se tornou impossível não ceder à tentação de devorá-la sem sequer sentir os efeitos da decolagem. O segundo é o da imagem que ora uso como ilustração. O instante em que eu, com o coração aos saltos, me preparava para sair de casa. Enquanto Bárbara se entregava à fé eu sentia uma angústia enorme no peito. Sabia que os minutos seguintes continuariam a exigir muito de músculos e mentes cansadas. Para mim, o jogo terminava ali. Talvez por isso não me surpreendi quando ouvi no rádio do carro a narração do gol que daria vitória à França.
Não sei se Bárbara é devota da santa de seu nome. Mas, a imagem me trouxe de imediato a história da mulher que desde o século III é reverenciada pelas igrejas Católica, Ortodoxa e Anglicana. Sem me prender à questão religiosa, reverencio o que nos chega sobre a jovem que se recusou a aceitar um casamento imposto pelo pai, ou a aceitar o papel exigido pela sociedade do seu tempo. Destemida, enfrentou toda sorte de adversidades para seguir o que dava sentido mais profundo à sua vida. Perseguida, torturada, condenada à morte, juntamente com uma amiga que se sacrificou em sua defesa, se tornou mártir do cristianismo e protetora contra raios e tempestades (dizem os fervorosos que um raio atingiu o seu carrasco logo após a execução).
É fato que o céu estava limpo sobre o estádio Océane em La Havre, mas a força da tempestade que nossas meninas enfrentaram começava a se formar na arquibancada e ia além da física das nuvens. De lá, a linha de instabilidade se estendia pelo favoritismo da seleção dona da casa que tem como base o time vencedor da Liga dos Campeões, se avolumando pelo alto investimento da federação francesa no futebol feminino nos últimos anos. Como se isso fosse pouco, lá estava a energia potencial do comando de ninguém menos que Corine Diacre. Sim, aquela que é unanimidade e teve a ousadia de ser a primeira mulher a treinar um time masculino de futebol na França. Conter essa tormenta estava difícil até mesmo para o poder de Santa Bárbara. Penso que, se ela ouviu a prece da goleira brasileira, lhe bateu uma dúvida: qual das duas seleções de bravas merecia a sua intervenção? Melhor se abster.
Coragem é também o que nunca faltou à Formiga, diz a reportagem de outras bravas meninas. Aqui, ao invés de mártir temos uma heroína que transformou a violência dos irmãos em teimosia pela posse da bola. Se não tinha direito a uma, a cabeça redonda da boneca degolada caía bem aos seus pés. Cresceu mostrando seu valor em campo, embora precisasse viver sozinha em um país estrangeiro para obter respeito e dignidade. Aí, talvez, o que nos difere: até hoje a formação de atletas femininas nas categorias de base pelas bandas de cá é complicada e a profissionalização ainda engatinha.
Ainda vagando pelo céu, encontrei as palavras do cientista Marcelo Gleiser. Anotei ao acaso, atendendo à mania de ter sempre um bloquinho em mãos. Deixo-as como epígrafe. Ainda não foi desta vez que coragem e bravura nos levaram ao melhor resultado. Temos muito a crescer, principalmente fora do campo. Elas mostraram que estão buscando com muita garra. Que Santa Bárbara estenda a sua mão!
(imagem: tela da TV – Canal SportTV)