Chegamos ao fim da primeira fase com a seleção brasileira classificada. Uma estreia brilhante. Um deslize contra a poderosa Austrália. Uma batalha de nervos com a Itália. Não falo de salto alto. Ponho a chuteira, embora faça uso das mãos, para escrever essas linhas enquanto muitas arrumam suas malas e a ansiedade me consome alguns minutos antes da definição da adversária nas oitavas de final. Em qualquer um dos casos possíveis, um arrepio: França (a dona da casa) ou Alemanha (a dona do futebol mais vitorioso do mundo, entre masculino e feminino). Apego-me ao chavão de que jogo se joga no campo, e é para lá que vamos vitoriosas até aqui em todas as cores.
Antes de chegar lá, é preciso dar uma olhadinha no que rolou entre a bola e o pé. Dá tempo, por exemplo, de reverenciar a garra das meninas neozelandesas, que hoje precisam contar com a sorte para se manter no torneio depois de lutarem bravamente. É fato que seu futebol esqueceu a leveza e se pôs de retranca fechando o gol. Sem graça? Nem tanto. Belas defesas se fizeram até que a cabeleira ruiva de Van Dongen, aos quarenta e seis minutos do segundo tempo, fez sacudir a rede sem piedade. Estratégia estudada e minada pelas multicoloridas canadenses, que fizeram pouco da defesa implacável.
Dá tempo, ainda, de contradizer o chavão para afirmar que se no campo houve derrota, aqui de fora foi bonito ver as súditas de Jacinda Arden marcarem gols na discussão de gênero nos esportes. Elas venceram a batalha da igualdade de remuneração. Não há diferença salarial entre meninos e meninas que fazem parte das seleções de futebol na Nova Zelândia. Questão tão importante que nos privou das jogadas de Ada Hegerberg pela seleção da Noruega. A vencedora do Bola de Ouro 2018 escolheu expor do seu jeito a injustiça que se estampa nas chuteiras.
Foi exatamente na chuteira, apontada por Marta na comemoração do seu primeiro gol na Copa 2019, que se desenhou o sinal de igualdade. Antes, ela tinha recusado as propostas de estampar a marca dos patrocinadores naquele objeto que se interpõe entre a bola e o pé. Não aceitou receber um valor muito abaixo do que recebem os jogadores, pelo simples fato de serem homens. Logo ela que, em seguida, bateria o recorde dos homens em números de gols em copa do mundo.
Sim, recebemos de bom grado as lições das vitórias e derrotas. Mais que o artefato que se cobre de simbolismo, entre a bola e o pé está o gesto ou o espírito que move o atleta. Não apenas o desejo de vencer e vencer, mas o comando da sua mente para aquilo que dá significação ao esporte coletivo e restaura a beleza das conquistas quando nos damos as mãos.
(imagem: reprodução/instagram)