Das tristezas que eu trago da vida, uma foi a derrota da Colômbia, que perdeu para o time inglês e o juiz americano. Sofrendo eu mentalizava a fala do artista uruguaio Torres Garcia “o Sul é meu Norte!” e tentava inutilmente inverter o mapa e o relógio, pra que quem sabe o juiz revisse a jogada. Mas não tinha jeito, tinha vídeo, e ele não via porque ninguém queria, fora los hermanos. Dias depois eu me muni de novo das palavras do artista uruguaio para assistir a seus compatriotas, tão craques quanto ele. Mas não deu, não deu pra ganhar, não deu pra segurar a dor com aquele goleiro que frangou, não deu pra não chorar com o niño hermano que a tela da tv mostrou. Coração na boca, peito aberto, não estou sangrando, invisto em cantar. Insisto no melancólico Robertão: das tristezas que eu trago da vida… Sinto o coração ainda no Uruguai, nos amigos de lá que sei tristes agora. Aos poucos me realoco, olho pra minha camisa verde, para os outros brasileiros que não desistem nunca e vestem a bandeira dentro deste metrô. Estamos todos indo assistir Brasil x Bélgica, todos com a mesma camisa no peito. Tento entrar no clima. Vai, Brasil! Paro num boteco pra ver como está o jogo, que já começou. O Brasil está nas quartas, mas aqui tem gente que não faz um quatro. Resiste, Brasil! Mal entro e a Bélgica faz gol. Sofro sentindo-me o azarão. Será que foi porque vesti verde? Ah, essa culpa arraigada na minha latinidade! Será que nuestra América permanece na Copa? Volto pra rua cantando: Cai o rei de prata… Será que cai o rei de ouro? As ruas estão vazias, salvo pela senhora que passeia com seu cão, ambos alheios ao burburinho que o silêncio denuncia. Chego na casa da amiga. Tantos corações em burburinho. Logo a Bélgica faz mais um gol e sofro, sofro, sofro. Revivo o 7 a 1, vivo o medo do bis nesse jogo. Vem bem-vindo o intervalo. Bebo uma cerveja e cantarolo: tornei-me um ébrio na bebida… E o jogo recomeça animado. Suamos o gogó de desespero, mas eis que vem o gol de honra. Depois, só desespero de novo. Tá tudo acabado entre nós. Nada de a gente se reunir de novo pra torcer. Nada de feriado. Nada de irmandade na camisa. Deu vermelho! Mas sigo torcendo pelo Brasil, mesmo depois da derrota. Torço pra que dê vermelho de novo daqui a poucos meses. Ops! Foi escanteio? Ah, coração, se apronta pra recomeçar… Esquece esse medo de amar de novo!
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Esther Alcântara
Poeta em essência, também escreve crônicas e letras de música. Nasceu em Monte Aprazível (SP) e há muito vive na capital paulista. Especialista em Língua Portuguesa, atua como editora, preparadora e revisora de textos, além de produzir conteúdo para livros didáticos; eventualmente também é professora. Apaixonada por livros, dedica-se ainda à encadernação artística. Entre suas produções estão o livro de artista Raízes, exposto na Biblioteca Mário de Andrade em 2015, e o minilivro de poemas Vinte poemas para serem lidos com lupa, lançado na Feira Miolo 2016. Seus poemas passeiam por saraus paulistanos, antologias, revistas e sites. Em 2017 publicou Piracema, livro de poemas, e fundou a Carpe Librum Editora. No momento organiza o Sarau Vosz, um novo projeto na periferia de São Paulo. Para Esther, poesia está sempre na pauta do dia.
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