Dá-lhe, Brasil, em dias de Canadá

Na vida, as coisas nem sempre se encaixam como planejado. O acaso cuida de boa parte do que imaginamos ser as rédeas do destino. É assim que um projeto de curso de três semanas e uma oportunidade de ver que outro mundo é possível se concretizam em meio a outros sonhos que eu nem imaginava possíveis.

Ao fechar a data, de acordo com a disponibilidade deles, não pensei em futebol, em copa do mundo, em datas festivas, muito menos em escrever sobre esporte. Eis que o destino cuidou de me fazer chegar em pleno Canada Day, às vésperas de um jogo decisivo para o Brasil. A cidade em polvorosa. Crianças e adultos carregando bandeirinha na mão e no rosto uma folha vermelha bem desenhada, para celebrar suas invejáveis conquistas. E antes disso, já nas intermináveis horas de voo, aeroporto, conexões e translado, todos, ao me identificarem como brasileira, repetiam: Happy Canada Day! Brazil and Mexico tomorrow, isn’t it? Oh, Yes! Brasil e México amanhã se eu conseguir acordar.

Uma claridade infernal atravessou a persiana e me acordou às quatro da madrugada. Bem-vinda ao verão da costa oeste canadense, disseram-me os corvos saltitando na calçada, logo abaixo da minha janela. Tempo suficiente para tomar um banho, um café e postar-me em frente à TV para assistir ao jogo. É engraçado estar geograficamente a apenas algumas milhas da Rússia pelo pacífico e ter quase doze horas de fuso nos separando. Assim como é engraçado ouvir o comentarista falando do futebol brasileiro, sem aquela paixão que nos acostumamos a ouvir. Neymar é um jogador talentoso apenas. Como Marcelo, que hoje estava fora, ou como o Chicharito Hernandez. Tudo no mesmo nível. O Brasil, diziam, está com um bom time, claro, mas não se pode esquecer do vexame 2014. São sete da manhã quando soa o apito e é dada a partida.

Go, Neymar! Gol! Nada mais. Ouço um grito vindo do andar de cima, enquanto meu coração aos pulos se controla a muito custo. Coutinho substituído pelos dentes brancos e confiantes de Firmino. Goooooooooool! Eu grito, abafando a frieza da voz que narra e os gritos que poderiam vir de cima. O apito final. Ufa! Troco-me às pressas para aproveitar o parque e o sol que brilhava em um céu infinitamente azul. No elevador, alguém de camisa amarela e aparência feliz me cumprimenta já emitindo, em bom português, suas impressões sobre o jogo. De repente, sou invadida por aquele sentimento bom de se descobrir igual em terra em que somos diferentes.

Isso me faz lembrar a razão da escolha do Canada: o respeito à diversidade. Não, não parece ser apenas propaganda de um primeiro ministro fofo. Na Air Canada, que me trouxe até aqui, por exemplo, havia comissários de aparência branca, ruiva, negra e asiática. No serviço em terra no aeroporto de Toronto, onde fiz conexão, fui atendida por uma moça usando um Hijab, o que indica com uma boa dose de acerto que ela professava a religião islâmica. No guichê de imigração, um agente com fortes traços paquistaneses me atendeu com muita educação. Já no destino, quem me esperava com uma plaquinha tinha no rosto os traços orientais que minha ignorância não sabe reconhecer.

Isso me faz voltar ao futebol e perguntar: o que é um campeonato esportivo, que envolve quase todos os países do mundo, se não a celebração da diversidade? Se algo nos faz olhar o outro com respeito, olhemos, pois. Viva o Brasil no feriado pós-Canada Day! Viva o prazer de ver um esporte ou de enfrentar batalhas diárias para construção de sonhos.

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