…hoje eu não passaria nem perto dos tristes tangos de Gardel nem das sofisticadas e modernas harmonias de Piazzolla. Se eu fosse o Messi, hoje eu levantaria os olhos para enxergar um país que fugiu dos ventos glaciais, se aconchegou no calor solar e criou um ritmo espalhafatoso – usado, em geral, como subterfúgio de sobrevivência. O Brasil pode perder do México, se lamentar por algumas horas e, logo, sem pudores, bailar porque, mesmo quando o samba chora, ele ri.
Se eu fosse o craque argentino, esqueceria por instantes as geleiras do polo sul e escutaria Bethânia cantar o samba de garoa (nem tudo é perfeito) de Adoniram com o maravilhoso baixo de Moacir Albuquerque chamando para a vida: um homem de moral não fica no chão/reconhece a queda, mas não desanima/ levanta, sacode a poeira e dá volta por cima.
Ou dedicaria um tempo para ouvir Jobim e Chico: mesmo com toda a lama/ todo emblema/ todo o problema/ todo o sistema/ a gente vai levando essa chama. Ou Gil, para quem a fé não costuma falhar. a fé tá na mulher/ na cobra coral/ num pedaço de pão/ na lâmina de um punhal.
Ou tomado pela força e determinação da Maria imaginada por Milton e Brant entoaria de cabeça erguida que é preciso ter força/ raça/ gana sempre. Porque quem traz no corpo a marca/ Maria, Maria/ mistura a dor e a alegria.
Se eu fosse o Messi, eu não me compararia ao Cristiano Ronaldo, que também partiu de Moscou – com destino a Lisboa. Ocorre que Portugal (pobre Portugal) perdeu o protagonismo dos tempos das grandes conquistas quando singrou mares e descobriu terras e dominou reinos. Portugal, no futebol, não atingiu a grandeza de seus poetas e escritores melancólicos que inventaram saudade, palavra sem precedentes, nem alcançou o vigor de seus fados soturnos.
Em vez de tomar o gênio português como exemplo, proponho ao Messi, da grande escola Argentina de futebol, a opção de ser conformista e mirar-se no exemplo das mulheres de Atenas concebidas por Chico e Boal. Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas/ elas não têm gosto ou vontade/ só tem presságios/Temem por seus maridos/ heróis e amantes de Atenas
Ou se recompor, pensar positivo, colocar energias boas onde hoje existe orgulho ferido e voltar em 2022, seguindo o conselho de Caetano: impávido que nem Muhammad Ali/ apaixonadamente como Peri/ tranquilo e infalível como Bruce Lee/ O axé do afoxé Filhos de Gandhi.
Pode também ouvir Cartola desfiar otimismos na sofisticação da melodia e na pureza da letra: a sorrir eu pretendo levar a vida/ pois chorando eu vi a mocidade perdida/ finda a tempestade o sol nascerá.
Nelson Cavaquinho fazia sambas em tom menor; porém, os versos dele continham sábios estímulos capazes de quebrar os corações mais duros. Se eu fosse você, Messi, abandonaria a cabeça baixa e aquele olhar catatônico da derrota e ouviria minha prima Clara Nunes, cantar – e cantava junto soltando a voz: O sol há de brilhar mais uma vez/ a luz há de chegar aos corações/ do mal será cortada a semente/ e o amor será eterno novamente.