No final do século XIX, o escritor escocês Robert Louis Stevenson publicou o que viria a ser um de seus trabalhos mais famosos: “O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. Acompanhamos a complexa relação entre os personagens do título por meio do detetive Utterson, que investiga um suposto caso de chantagem envolvendo seu amigo e médico Dr. Jekyll e o violento Mr. Hyde. Para não estragar a leitura de quem não conhece o texto, encerro o parágrafo com uma leitura possível da intenção de Stevenson, que é tratar a dualidade de que somos compostos.
Isso posto, vamos à Copa do Mundo.
Sinto aprofundar-se uma crise iniciada na fatídica Copa do Mundo do Brasil (talvez antes) que persegue a seleção Brasileira: Neymar Júnior.
Encontra-se pela internet inúmeros comentários que tratam esse impasse. O jornalista esportivo Menon foi pontual ao explicitar essa contradição no texto “Neymar não sabe ganhar. E nem perder” e, em outra seara, no necessário blog Pelé Calado, o escritor Flávio Izhaki foi preciso no texto “Você topa torcer por uma pessoa odiável para conquistar a Copa?” ao explicitar um dos impasses que o controverso jogador coloca: o quanto estamos dispostos a pagar pelo hexa campeonato?
Depois da vitória magra e sofrida contra a Costa Rica, uma série de publicações e comentários ganharam manchetes e debates. Jornais internacionais não economizaram adjetivos para reprovar o comportamento do camisa dez da seleção e as inúmeras mesas redondas dedicaram blocos e mais blocos a fim de encontrar um denominador comum que apaziguasse esses dois Neymares que vemos: o craque irascível e o irascível craque.
Embora ainda não entendamos ao certo o funcionamento das redes sociais, podemos estipular um indício de seu funcionamento: nela circulam “paixões”, portanto, posicionamentos anteriores (ou alheios – e eis aqui um problema) à razão e ao esclarecimento. Vivemos esse evento cotidianamente nos últimos anos por causa da política, e, se já compreendemos algo, é que as informações compartilhadas (mormente falsas) escolhem alvos a serem detratados.
Anoto esse fenômeno, pois, desde o jogo de segunda-feira, tenho recebido inúmeros vídeos, fotos e memes questionando (de forma agressiva ou bem humorada) as posturas Neymar dentro e fora de campo. Indício de que estamos elegendo um inimigo público a fim de justificarmos desde já uma possível desclassificação? Ou estamos algo envergonhados com aquele que pode garantir o caneco?
Não sei, mas fato é que temos de lidar com o estranho caso de um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos que, se é genial feito o médico Jekyll, não resiste ser também um monstro.