Alô, mãe! Fiz um goooool

Igual a todo brasileiro, levantei cedo nesta sexta-feira. Ainda atordoada, fiquei em dúvida entre o amarelo e o azul. Vesti azul, uma cor que me cai bem nesse tempo em que o amarelo anda em baixa. Enquanto tomava café dei um passeio pelos portais de grandes jornais, como faço todos os dias. Hoje não é um dia qualquer, foi o que me disseram. Não apenas porque a seleção brasileira entra em campo muito cedo e nos obriga a assistir uma partida sobriamente, pelo menos os que, como eu, não são muito adeptos de um café irlandês. Mas, também, porque entre o sonho de ser campeão e a nossa cruel realidade tem um fosso que as notícias nos obrigam a encarar, logo de manhã, acentuando na boca o resíduo amargo do café.

Com olhos sugados pela TV, é lindo ver a bandeira brasileira aberta em São Petersburgo e sentir no rosto desses meninos cheios de futuro a ansiedade sobre algo que está logo ali ao alcance dos seus pés, enquanto o hino revolve nossas emoções mais profundas. Depois de um primeiro tempo morno e um segundo tempo desesperador, vemos no finalzinho, enfim, dois gols. Ufa!

Nenhum deles comemorados com um “Alô, mãe” que marcou o jogo anterior. E aqui, preciso voltar aos jornais. O gesto apareceu na coluna de esportes do El país como símbolo do que Breiller Pires disse ser uma seleção dos filhos sem pais. Seis dos titulares foram criados por mães sozinhas, uma representação da realidade mais comum de um país em que toda a responsabilidade pela gravidez é jogada sobre os ombros das mulheres, muitas vezes abandonadas à própria sorte. Portanto, a maioria deles carrega na memória uma infância difícil, em que as promessas de futuro se fizeram no rolar de uma bola em campos de futebol. E seguimos vendo-os como heróis e achando que essa loucura é normal.

E por falar em mãe, acho que por ser mãe e avó sou daquele tipo de gente que fareja a loucura de perto. Hoje é sexta, dia oficial da alegria, o Brasil sai vitorioso do campo e eu devia escrever uma crônica feliz. Não consigo depois de ver nos portais o depoimento de uma mãe em choque. Ela foi convocada para o time das mães de filhos vítimas da violência, que não espera quatro anos para montar sua seleção, não tem limite de participantes e nem substituição. Quem entra não sai. O uniforme ensanguentado validava o seu discurso: o filho que lhe foi arrancado ia para a escola porque ela desejava para ele um futuro. Um futuro que não virá. E o título desta crônica é o alô que ela jamais ouvirá.

Como eu, a seleção, sem se dar conta, vestiu azul. No lugar do samba um velho blues, daqueles de fazer doer o peito.

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