Mas afinal, o que é uma crônica?

Uma crônica não é um texto de opinião.

Uma crônica é um jeito de comentar algo (aqui a gente encontra a argumentação!) ao mesmo tempo em que você conta algo (aqui a gente dá de cara com a narração!).

Ao escrever sua crônica, o autor não vai apenas contar ou relatar um evento, um lance, um episódio. Vai contar, sim, vai narrar, de fato, mas também vai refletir sobre esse acontecimento. E essa reflexão é exclusiva dele. Afinal, todo mundo tem um jeito próprio de ver o mundo.

Sim, as crônicas são escritas em primeira pessoa. Geralmente são textos leves, curtos. Sua base é o cotidiano. O que está aí, bem na frente dos olhos.  

O principal tema da crônica é o dia-a-dia. É a partida de futebol, o gato atrapalhando o trânsito, a bola na vidraça estilhaçada. Assim, no dia-a-dia, a crônica diz do hoje e do agora. Amanhã, já foi.

Trecho de “A VIDA AO RÉS-DO-CHÃO”, de Antonio Candido.

“A crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor. Isto acontece porque não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão da cozinha.”

CANDIDO, Antonio. “A vida ao rés-do-chão”. In: Para gostar de ler: crônicas. Volume 5. São Paulo: Atica, 2003.

A crônica tem uma linguagem leve. O cronista também pode usar e abusar das figuras de linguagem, de trocadilhos, aliterações. Outros e elementos que dão ritmo ao texto referem-se à pontuação, à paragrafação e aos eventuais diálogos.

O escritor pode fazer uma utilização crítica e muito bem pensada dos clichês, mas importante, mesmo, é deixar claro ao leitor, a intenção da narrativa: se bem humorada, se recheada de ironia, se é nostálgica etc.

Clareza e fluência, sempre!

“E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: – é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: – o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: – se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.

Mas vejamos: – o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade: – eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: – sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: – não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Falase num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.

 A pura, a santa verdade é a seguinte: – qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: – temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: – “O que vem a ser isso?”. Eu explico.”

RODRIGUES, Nelson. Complexo de Vira-latas. In: À sombra das chuteiras importais. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

Trecho de “COMPLEXO DE VIRA-LATAS”, de Nelson Rodrigues.