MAL NÃO FAZ.

O que um botafoguense faz no instante
em que seu time marca um gol?
Resposta em um, dois, três. Pronto: olha para
o juiz. Gol validado, abraços e loas à surpresa.
Torcer pelo Botafogo é exercitar a neurose.
Numa certa tarde de domingo no Maracanã, o Botafogo
foi para um intervalo com 5 a zero contra o Corinthians,
na época campeão brasileiro. Euforia incontida por
quinze minutos. Quinze, não, dezoito. Porque aos três
do segundo tempo o Corinthians fez um gol. 5 a 1. Foi
quando a botafoguite patológica subiu às arquibancadas.
A torcida se deu às mãos suadas, passou a suplicar aos céus e olhar para o campo com cara de pavor: “Eles vão empatar!” Só sossegamos a alma aos 44, quando o Botafogo fez o sexto.
Assim somos nós. Felizes com nossas próprias doenças.
Na época mais gloriosa, o cartola Carlito Rocha mandava o cachorro Biriba entrar em campo com o time – daí o apelido “cachorrada”. O ônibus da delegação só entrava no estádio de ré. Outras: era proibido o time ser o primeiro a sair dos vestiários para o gramado. Meias pretas, meias cinzas, dependendo do adversário. Beijar os dedos e afagar o busto de Garrincha na rampa do Maraca era ritual de fazer fila. Tudo dava certo. Foram duas décadas de timaços e conquistas, interrompidas pela dourada era Zico, ícone que, como amante que sou da arte do futebol, reconheço, respeito e reverencio.
E assim ficamos 21 anos comemorando lateral e escanteio. Até que duas décadas depois do último título, final Botafogo e Flamengo. Zico bate uma falta que raspa o travessão e um minuto depois deixa o campo. Era o sinal dos deuses. Gol do Botafogo em seguida. Botafogo campeão. Chororô e incredulidade generalizada.
Outra coisa que nunca combinou com o povo da estrela solitária: favoritismo. Toda vez que este sentimento nos apossa, burros n´água. E vice- versa. 2018, final com Vasco, cruzmaltinos tão favoritos que jogavam de costas. Até que aos 49, Joel Carli, nosso zagueiro hermano,
acha um gol. Enfarte até em cardiologista. O jogo foi para os pênaltis, mas tínhamos Gatito, confiança que contaria nossas superstições. E o Botafogo vestiu a faixa.
Com a Seleção em todas as Copas nunca me foi diferente. Nada de favoritismos. Em 58 éramos vira latas. Em 62, um time de velhos. Em 70 demos show, mas bom lembrar que saímos do Brasil empatando com o Bangu, o que combalia qualquer possibilidade de fé antes da
Copa. Por falar em antes, ninguém ganha de véspera. Em 82, o Brasil era barbada. Timaço. Deu no que deu. Até me culpei: tinha cortado o cabelo na manhã daquela tarde fatídica, quando Paolo Rossi resolveu
aprontar três gracinhas. Cortar cabelo em semana de jogo, nunca mais. Premissa não válida para Neymar, que anda afrontando o Ibama, mas isso merece outra crônica.
Em 86, Zico e Sócrates perderam pênaltis decisivos e fomos eliminados. Mas juro que não tive nada com isso. Em 94, sofremos, suamos, ardemos como um botafoguense febril. Deu certo, mas acho que foi o Senna que pediu lá em cima aquela bola do Baggio.
As mesmas manias, crenças e rituais obsessivos de tantos jogos vividos como torcedor apaixonado desembarcaram na Rússia. Confesso que assisti ao primeiro jogo com meus TOCs inconfessáveis e
amuletos que não conto para ninguém. A TPJ – tensão pré jogo – não me inquieta apenas por conta do incógnito time do Tite, nem das suspeitas
conspiratórias dos árbitros de vídeo contra nós, muito menos da notória instabilidade emocional da Seleção; não me lembro o que fiz de errado no 7 a 1, mas que fiz, fiz. Por via das dúvidas, algo hei de fazer por agora. Para serenar os nervos, prefiro confiar nas superstições
botafoguenses, só minhas, pessoais, intransferíveis, crenças de que o destino neste esporte improvável é comandado por um gesto, uma atitude
secreta ou um pensamento meu. Pode ser presunção, mas, sei lá. Botafoguice particular defensiva é como canja de galinha: mal não faz.
Amanhã, Costa Rica favorita.

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