De segunda a domingo

O povo é besta mesmo. Com a Copa, todo mundo esquece de tudo, menos do futebol e o governo aprova o que quiser e os larápios escapam todos ilesos.

– A gente devia é de não torcer, de nem ligar a TV, nem Copa devia ter.

– É isso mesmo. Copa só serve pra enganar o povo.

Concluíram que não devia ter Copa e nem qualquer dessas coisas que enganam o povo. Pensei: é mesmo, não devia ter Copa. E aí pensei nas outras coisas. Também não devia ter São João. E também não devia ter Natal, e nem dia das mães, e nem Páscoa, e nem domingo, e nem aniversário, e nem festa, e nem pesca, e nem passeio, e nem férias, e nem coisa nenhuma que não fosse coisa séria. Só trabalho, trabalho, trabalho, que aí sim, queria ver esses políticos nos enganarem.

Enquanto eu pensava nisso, depois de ouvir a conversa daqueles dois, segui em frente e caminhei mais cinco dias. Aí cheguei no lugar que disseram que não tinha domingo, festa, férias, essas coisas, e só tinha trabalho. E me atirei, me entreguei de corpo inteiro ao novo modo de vida.

Já estava por ali fazia bem um mês, acho que a Copa já tinha terminado, e eu no trabalho, de sol a sol, de segunda a domingo. De vez em quando passava um cortejo carregando um caixão. Olha que ali também as pessoas morriam! De que morreu ele?, perguntei. Foi tédio respondeu. Tédio, e pode alguém morrer de tédio?

Voltei ao trabalho que é para isso que eu estava ali. Corrupção não tinha naquele lugar, nem roubo de casas, nem vigarice de tipo nenhum. E nem festa e nem jogo, de carteado, de dados, de futebol ou de botão. Criança não brincava porque não era para isso que se preparavam, mas para a vida pura, sem máculas, sem tempos para perder.

E outra vez passou um caixão. E eu de novo perguntei da morte. E mais uma vez me disseram que foi tédio. E na outra semana também, e de novo e de novo e de novo. Ali, parece, só se morria de tédio. Quantos anos ela tinha? Vinte e oito. E ele? Trinta e dois. Virgem! Eu tinha trinta e quatro, e já começava a amarelar.

Foi quando passou o vigésimo quarto caixão carregando o vigésimo quarto tédio. Peguei minhas coisas e saí de férias, doido pra bater uma bolinha.

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