Uma certa camisa 14

Essa camisa 14 não estava ali à toa. Quando eu era pequena, nos anos sessenta, ouvia recorrentemente os adultos comentarem sobre as maravilhas da seleção da Hungria dos anos cinquenta. Nos setenta, entrou em campo o que pra mim viria a ser referência eterna de beleza e modernidade em futebol: o carrossel holandês. À frente de tudo, o maior de todos (daquele momento, claro): Johan Crujff, o camisa 14.
Naquela ocasião ganhei de alguém que ganhou de alguém uma camisa 14 do Galo, vestida por Marcelo (que viria a ser o atual treinador Marcelo Oliveira), que jogava, com toda a equipe do Atlético de Reinaldo, Cerezo, Paulo Isidoro etc., o equivalente àquele futebol alegre, coletivo e cheio de gols da Holanda de Crujff. Também ali o número não estava à toa.
Hoje, por essas e por outras, entrei em campo predisposta a torcer pras holandesas. Após um primeiro tempo feio e burocrático e um segundo tempo pegado e pouco ofensivo, o desespero apontou às atletas a necessidade de fazer algo de efetivo. Nessa hora, ninguém melhor que Jackie Groenen (que coisa chata chamar as meninas só pelo sobrenome!), a dona da camisa 14 da Holanda, pra assumir pra si o gesto decisivo, pra surgir, como elemento surpresa, à frente da meta adversária e fazer o que 48 mil torcedores presentes ao estádio, em Lyon, e mais milhões pelo mundo afora esperavam, aquele detalhe (pra alguns) que faz toda a diferença: o gol.
Nunca um gol demorou tanto a sair num jogo de semifinal de Copa do Mundo – sei que essa afirmação é incorreta jornalisticamente, mas vale em crônica, que mescla jornalismo e literatura e, por isso, permite a emoção, a subjetividade, o impressionismo, a poesia. Foi de roer as unhas, de arrancar os cabelos, de fazer alongamento nos últimos minutos feito uma doida em frente à TV, pois as suecas, em tese, eram superiores e venderam caro a derrota.
Mas afinal hoje era dia dos deuses do esporte reverenciarem uma certa camisa 14. O céu do futebol está em festa, comandada por Crujff à frente dos anjos e santos.

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